terça-feira, 28 de junho de 2011

O Caminho Franciscano.

ou A ESPIRITUALIDADE FRANCISCANA COMO CAMINHO)
O medieval é um caminhante. Andava o monge, andava o camponês, andava o cavaleiro, andavam as caravanas, o peregrino, o leproso extra-muros, andavam os penitentes... Todos fizeram com o Sagrado, com a eclesiologia de então, com a teologia, com a cultura... um engate de todos os seus passos numa articulação sofrida. Sua errância, sua mobilidade antecipa o humano como eterno peregrino em busca da sua identidade. Passo a passo, atravessou os desafios da vida para buscar a felicidade.
É o tempo das REGRAS de Vida. Abraçar a Regra não é só ter norma de conduta, mas sim indicar as tabuletas do ser. Obedecer para não largar a identidade conquistada (Olhar a Cruz e dizer: "De boa vontade farei!"). O dinamismo do Amor não pára na história; sempre é tempo de construir e reconstruir.
É tempo de Mística: dar um passo para o Mistério; uma experiência extraordinária - É o cumprimento de um caminho de perfeição.
Época de grandes santos, sábios, heróis, mestres e místicos que não se repetem. Não são cópias de ninguém. A mística os fez originais. Francisco encontrou o mundo dos Movimentos Penitenciais, tirou da experiências dos penitentes o que era bom, mas fez um caminho original.
Os penitentes descobriram o Evangelho como livro que podiam ter nas mãos; Francisco descobriu a Palavra que, ao virar a sua vida, entra em seu coração e o coloca em movimento.
Um filósofo quando pensa não é um ser abstrato porque se transforma num pensamento, num pensador. Francisco se fez o Evangelho, transformou a sua vida numa experiência profunda de transcendência. No seu caminho é capaz de dizer: Em mim o Sagrado é tudo. O Todo do tudo - Deus! "Meu Deus é meu Tudo!".
Fez do Evangelho o caminho do aperfeiçoamento humano e isto o aproxima, cada vez mais, de Deus. O aperfeiçoamento veio do seguimento e da imitação. Para ele, Deus, palavra encarnada se encarna também nas coisas. Não é um Deus que cria e se afasta da obra, mas permanece ali comunicando-se com tudo, do sol às estrelas, do mais alto ser do universo aos vermes e relvas. Deus emana nas coisas. Para Francisco, a pedra participa da Divindade. Deus é sem nome e aparece no sussurro do vento. Não só ouviu a Palavra, percebeu que havia um Deus nesta palavra.
Ser peregrino e forasteiro é ir desapegado de tudo, tendo apenas a obediência como bagagem. Ir é obedecer! Francisco descobre que a verdadeira e única obediência é aquela que faz escutar a voz, uma grande voz; compreender sua vontade e segui-la. Obedecer é deixar-se guiar, no caminho.
Obedecer é fazer do caminho uma Revelação. Deixar muito tempo, muito espaço, muitas paradas... para escutar a Inspiração. O caminho obediente sempre exige uma atitude de escuta.
Obedecer é imitar a vida; é imitar o modelo. O caminho de Francisco não é um caminho monástico, é um caminho de pobreza Interior; um sem nada de próprio que respeita tudo.
Quem não obedece a algo muito grande, obedece ao próprio egoísmo.
No caminho obediente, Francisco aprendeu a servir, ser disponível, compreender a partir do comum, fazer nascer Fraternidade. O obediente tem uma iniciativa imediata para o serviço.
A ascese de Francisco não nasceu do sofrimento, mas do Amor que viveu e, por causa deste Amor, foi capaz de sofrer. Abraçou a dor do leproso como um serviço. Para ele, a vida vale muito pelo bem que habita na dor. Abraçou a dor do outro, fazendo da dor um instrumento de vida. Fazer da dor um serviço! A vida é o lugar onde acontece a dor. Ficar duro diante da dor quando a vida parece nos quebrar; ranger os dentes, quando a vida nos range os ossos. Ele fez da dor um processo de maturidade. Ele aprendeu com o AT e NT que a dor e o sofrimento são terapias de Amor. Mas falar de ascese sem estar dentro de um estado de Amor e santificação, não tem sentido.
FRANCISCO APRENDEU COM O CRUCIFIXO DE SÃO DAMIÃO A SER ÍNTEGRO EM TODO DESMORONAMENTO
A cruz, para ele, não é um quadro para ser aceito, mas uma vida para ser alegremente aceita. Fez da Cruz um Caminho de alegria e sacrifício. Esta é a sua ascese = recolher a vida! Ascese só tem sentido quando é exercício de consagração à uma causa.
Francisco não é um místico intocável, voltado só para dentro de si ou longe do mundo real. Sente a dor nos limites humanos. A dor transborda as medidas do humano.
É preciso a valorização da experiência da plenitude da existência.
Existir é experimentar alguém!
Existe o caminho da utopia = voltar a sonhar com este lugar que não existe, mas fazê-lo possível de existir. Numa das cenas do filme "Francesco", de Salvatore Molla e Michelle Soave, a mãe de Francisco diz para seu filho: "Francisco, você sonha com um mundo que não existe!" Sonhar um estado ético, o paraíso da graça, a sociedade absolutamente integrada, a harmonia, o humano reconciliado, a criança bricando com a serpente, a não agressividade, a irmandade, a visão messiânica que prega a união de todas as formas de convivência = o humano e a natureza.
A concretização da utopia de Jesus, que se chama Reino; livres das opressões históricas da doença, da fome, catástrofes, vinganças, ódios, mortes. Que nada ameace ou faça mal; é livrar a criação dos elementos diabólicos.
Fazer a realidade toda: pessoal, social, individual... ser carregada de possibilidades, uma sementeira de forças, de energias, de movimentos históricos que mexa com a cultura, com a arte, com a música.
Sem sonhos há fechamento e esclerose. Temos que mostrar que o mundo que vivemos nao é ideal; mas criar iniciativas de positividade e grandiosidade: "Sou o Arauto do Grande Rei!"
Francisco tem projetos concretos para melhorar a vida: vai ao leproso e o integra. Vai à sociedade e gera fraternidade. Vai ao Cântico das Criaturas e traz o universo empapado de espírito.
Entrega ao povo a leitura do Evangelho, fala com o natural, cria uma vida itinerante, vai onde o povo está, vai onde ninguém quer ir. Não é apenas um contestador, é um Carisma encarnado e provoca em todos a sensação de que o mundo não está perdido.
Propõe uma riqueza humanística, um humano moldado no humano divinizado de Deus. É um fenômeno humano e cristão. Mostra que imitar é seguir, é fazer um caminho de extrema seriedade.
Assume Deus sem cortar vínculos com o profano. Filtra a sua experiência de vida no eixo da procura da "conformitas" com o Filho do Altíssimo.
Faz um caminho de loucura! Que loucura? Ser louco de Deus, ser louco de Amor! O louco não tem nada de errado, tem é excesso de energia. No Oriente, o louco sofre menos que no Ocidente. Aqui, ele é excluído e clinicado. No Oriente, ele é visto como alguém especial. A sociedade cuida dele, respeita porque ele tem uma mistura radical de sábio, doente e criança. Francisco foi considerado louco em Assis e não aceito totalmente no início de sua caminhada. Era um Penitente despojado e livre, um mendigo santo que muito incomodava; ninguém aceita um maltrapilho feliz que fala de Deus com sorriso nos lábios, por isso se apedreja a loucura.
Francisco é um louco que experimenta a vida na sua totalidade. Abraçou o cotidiano e o transcendente. De Assis conseguiu ampliar um horizonte maior. Transfigurou as realidades mais comuns e simples. Temos dois textos das Fontes:
1. Cf. I FIORETTI 10 = "Por que a ti?, por que a ti, por todo mundo corre atrás de ti?". Para Frei Masseo, Francisco foge do comum considerado normal. Não tem nenhuma atração física; na sua pequenez é portador de um cristianismo de sedução.
2. 2 Cel 158: "A maior multidão dos imperfeitos era superada pela virtude de um único santo, porque pelo raio de uma única luz são dissipadas imensas trevas".
Ao examinar o apreço que o mundo tem por Francisco de Assis, vários autores coincidem em pontos comuns: seu caminho espiritual, a virtude evangélica, a pobreza, a humildade, o amor fraterno, a simplicidade e a pequenez, a filiação, a alegria, a liberdade de espírito, a disponibilidade, o cavaleirismo, a nobreza, o modo de cuidar dos pobres, o jeito de estar junto com os pequenos, com a mulher, com os pecadores, com as plantas, com os animais, o modo radical de viver o Evangelho, mas um modo não fundamentalista como alguns de seu tempo (Valdenses, Cátaros, Umiliati). Ele não é um fanático inovador que se apega a esta ou aquela letra; ele abraça o Evangelho todo. Assim se opôs aos hereges de seu tempo. Cada herege tem sua letra e deixa de lado questões essenciais. Francisco devolve para a eclesiologia de seu tempo a verdade completa do Evangelho.
Para ele, a letra mata, o Espírito dá vida. Não quer a espiritualidade dos que domesticam o Evangelho e pronunciam com facilidade o nome de Jesus. Para Francisco é melhor viver o Evangelho curando feridas de leprosos do que apenas lendo e meditando o breviário ou o Evangelho. (cf. 2 Cel 91, 2 Cel 67).
Francisco humanizou a letra do Evangelho. Segue o Jesus da Boa Nova de um modo encarnado, visível, audível, amável, sensível, palpável.
Ele é o homem do um e outro, da união, da unificação, do todo, do universo e da formiga. Ele vive de um modo único a plenitude de Deus, a plenitude do humano e da criação; este é o seu jeito único e íntimo. Deus é para ele Altíssimo, incomensurável, grandioso, íntimo e companheiro, presente e operante, Bom, Todo Bem, doador de toda bondade (Rnb 23).
Para expressar isto, abraça todas as formas de união amorosa: pai, mãe, irmão, irmã, esposo, esposa, noivo, noiva, amigo (Carta aos Fiéis, 48-60) e o seu conhecido Cântico das Criaturas e Bilhete a Frei Leão.
Procura um amor fraterno que supera o jeito de mãe e filho (1Cel 36; 82 e 2Cel 167).
Confira na integra: http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/vitorio/virtudes_191009/

DESAFÍOS DE CLARA DE ASÍS PARA HO

Jorge Danielián ofmcap.

Introducción
Estamos caminando hacia el final de la celebración del 8° centenario del nacimiento de Clara de Asís. Abundaron en toda la familia franciscana celebraciones, reflexiones, retiros, talleres marcados por este acontecimiento. Acontecimiento que el Papa Juan Pablo destacó repetidas veces como algo importante en la vida de la Iglesia. "En nuestra época es necesario repetir el descubrimiento de santa Clara, porque es importante para la vida de la Iglesia. Es necesario redescubrir este carisma, esta vocación: urge redescubrir la leyenda divina de Francisco y Clara
Todo ello nos acercó un poco más a la vida de Clara, a sus escritos, a sus mensajes evangélicos. Y también nos acercó a nuestras hermanas clarisas en el conocimiento y en el afecto.
Para que toda esta reflexión no quede en pura teoría y buenos deseos es oportuno presentar ahora como una síntesis de las enseñanzas y actitudes de Clara. Estas actitudes pueden iluminar y provocar desafíos a la familia franciscana, e incluso al mundo y a la Iglesia de hoy. De cara a un conveniente y necesario compromiso de vida, de conversión y actualización de nuestro carisma franciscano.
Las abreviaciones de los escritos de santa Clara en este artículo son las siguientes:
CIR, Regla de Clara; CIT, Testamento de Clara; Cl IC, Primera carta a Inés de Praga; CI2C, Segunda carta a Inés de Praga; C13C, Tercera carta a Inés de Praga; C14C, Cuarta carta a Inés de Praga.
En uno de los encuentros celebrativos del acontecimiento, concretamente en un sencillo taller clariano, una hermana franciscana, juniora, llegó a decir como síntesis de un trabajo-grupal: "nos parece que la Regla de santa Clara hubiera sido escrita después del Concilio Vaticano II". Clara puede provocar desafíos, incluso a nuestra época posconciliar.
Es que los santos -particularmente algunos de ellos- tienen intuiciones evangélicas que les permiten vivir y anticiparse a los tiempos y a las épocas. El espíritu que les guía les permite ver las cosas profundas de Dios (cfr. 1 Cor.2,10). Dos de estos santos son Clara y su inspirador, Francisco (cfr. CIT. 48).
En esta nota aprovecho las investigaciones de otros hermanos más eruditos. Simplemente quiero recoger y recordar algo del fruto de las celebraciones del acontecimiento jubilar. Para que cada uno se lo devuelva al Señor con la palabra y el ejemplo. Parte de las bonitas reflexiones que hicimos y de los valores que redescubrimos a lo largo de este año centenario.
En primer lugar, trataré de presentar y describir la realidad más cercana a nosotros. Luego haré una síntesis de las actitudes de Clara, inspirada siempre e iluminada en Francisco. Esas actitudes pueden arrojar algo de luz sobre nuestra realidad personal, comunitaria, social y eclesial.
REALIDAD DEL HOMBRE DE HOY
En esta descripción quiero destacar y acentuar, sin negar lo comunitario, el aspecto personal o individual del hombre. Es una acentuación "metódica", cartesiana; no porque lo comunitario o social no sea importante, afortunadamente se ha avanzado y se le ha prestado suficiente atención después del Concilio. Sino porque, de hecho y en la práctica, se le presta menos atención a lo personal. Y sabemos que la raíz de todos los males, problemas y sus remedios están dentro, en el corazón, no fuera de nosotros (cfr. Me. 7,24 ss.).
Lo característico del hombre de hoy es que se siente -y es- capaz de lo mejor y de lo peor (cfr. GS.9). Por eso vive entre la esperanza y el miedo; busca la paz interior y no la encuentra; quiere lograr un sano equilibrio y vive en un constante des-encuentro consigo mismo; "no hace el bien que quiere sino el mal que no quiere" (Rom. 7,19); tiene suficientes capacidades para mirarse en positivo a sí mismo y al mundo que lo rodea y vive con una mirada negativa alimentada por las múltiples influencias externas.
Capaz de lo mejor
El hombre de hoy es capaz de lo mejor porque ha sido creado a imagen y semejanza de Dios. Algunas de las capacidades positivas fundamentales con que el hombre nace y le son connaturales, son las siguientes:
capacidad de conocer, amar y comunicarse con Dios y de darle un culto consciente;
capacidad de conocer, amar y transformar con su trabajo el mundo que lo rodea y del cual forma parte, completando así la obra de Dios, su Creador;
capacidad de vivir en fiesta, en comunidad, en sociedad;
capacidad también de vivir, por un tiempo, en silencio y soledad; no es frecuente vivir esta dimensión, aunque le sea connatural al hombre;
capacidad de gozar la verdad y la belleza; y de vivir "jugando" en todo lo que hace;
capacidad de sufrir y descubrir el sentido del sufrimiento que le permita "sufrir sin sufrir" para su crecimiento y maduración (cfr. Hebr. 5,7);
la capacidad de compadecer y sentirse solidario con todo el sufrimiento humano; y finalmente, la capacidad de compartir los bienes con los demás, sabiendo que no son absolutamente suyos, sino universales.
Capaz de lo peor
El hombre de hoy es capaz de lo peor, porque ha entrado en él el pecado y ha dejado en él tendencias negativas (cfr. Rom. 7, I 5-24; 2 Cor. 12, 7-10). Además de los siete pecados o raíces de donde proceden muchas de las sombras o negatividades, se dan estas otras tendencias que obstaculizan el encuentro con nosotros mismos y con los demás, quitándonos la paz interior. Señalo algunas de las más frecuentes en nuestra realidad:
prisa, que es una violencia contra el ritmo propio del tiempo y de la naturaleza de las cosas, pues la prisa aplasta y agota ese ritmo natural que nos permitiría tener una relación cordial, serena y gozosa con las personas, acontecimientos y cosas;
ansiedad, que seca la vida del hombre y la reduce a un mero ir y venir superficialmente, tensionado y vacío de sentido; y es fruto de un activismo mecánico y frenético; es una acción que queda en puro movimiento;
competencia, que nos hace compararnos constantemente con los demás; que nos hace violentos, agresivos e insatisfechos; nos lleva a estar sobre los demás (dominio) y no estar-con-ellos y para-ellos (fraternidad y servicio);
búsqueda de una imagen frente a los demás y temor a perderla (cfr. Av.19);
tendencia a absolutizar personas, opiniones y cosas; apego a algo que creemos condición necesaria para nuestra paz y felicidad;
indecisión, que nos priva de libertad y coraje para aceptar los riesgos;
y falta de paciencia para saber esperar con fortaleza el resultado de una decisión, situación o acontecimiento, sea adverso o agradable.
Realidad del mundo
De esta realidad interior del corazón, lugar íntimo donde residen nuestras raíces buenas y malas, nace la realidad del mundo del que somos parte, al cual pertenecemos y en e cual participamos; y del cual somos también artífices. A veces las estructuras alimentan, dificultan o condicionan nuestro ser interior. Esta realidad mal llamada "externa", externa a nosotros, la hemos analizado y descrito muchas veces, mirando sobre todo su aspecto negativo.
Aspectos negativos
Y decimos que somos y vivirnos en un mundo secularista. El hombre, con su técnica, es capaz de promover un maravilloso progreso que muchas veces lo hace prescindir de Dios, y lo hace esclavo de su misma técnica, impidiendo su progreso moral y humano. Vivimos en un mundo rico, pero pobre y empobrecido por el egoísmo de unos pocos que retienen para sí las riquezas que, en su primer destino, eran universales y para toldos. El pecado introdujo la propiedad privada que sigue teniendo sus límites sociales. Y, la propiedad trae aparejado el poder y dominio de unos hombres sobre otros.
Vivimos en un mundo consumista y hedonista que, en lugar de compartir solidariamente sus bienes, los goza y derrocha escandalosamente. Somos parte de un mundo sometido a diversas formas de esclavitud social y (sicológica. Está de tal manera estructurado y (programado que no deja ser a la persona ella misma, sino que la programa y condición desde el comienzo de su existencia. Sin embargo proclama la libertad. Vivimos en un mundo de desigualdades fundamentales respecto a la mujer, los hermanos indígenas y afroamericanos.
Podríamos multiplicar estas características negativas, pero las señaladas son suficientes para nuestro objetivo. Muchos de estos rasgos se dan como "signos de nuestro tiempo", son universales; pero se hacen más cercanos a nuestro mundo latinoamericano.
Tendencias positivas
Dios sigue suscitando personas que son signos y testigos de su amor al hombre e instrumentos de su misericordia y fidelidad, como Teresa de Calcuta, Hurtado y tantos otros. Están vigentes los santos y profetas de nuevo cuño. Muchas veces son personas anónimas y ávidas de un nuevo orden de cosas que les permitan ser protagonistas de su historia y de su felicidad. Vivimos en un mundo que toma conciencia de su unidad e interdependencia y va superando los rígidos nacionalismos, buscando una mayor solidaridad en organismos regionales e internacionales. Un mundo que también va despertando la conciencia de una igualdad fundamental de todos, prescindiendo de las condiciones sociales, culturales, raza o color de la piel. Y da prioridad a enfermos, niños y ancianos, inspirado en el respeto por la persona humana y sus derechos (cfr. GS.25).
La Iglesia en el mundo
También la Iglesia es parte de esta realidad y no puede escapar a sus luces y sombras. Señalo algunas tendencias englobantes de la Iglesia de hoy.
A pesar de haber declarado los Obispos en el Concilio la igualdad fundamental de todos dentro del Pueblo de Dios con funciones y servicios diversos (cfr. LG.32,37), y haber hecho una opción clara por el hombre y por el pobre, no se ve coherencia en la relación de la Iglesia jerárquica con el resto del Pueblo de Dios en estos aspectos.
Más bien se nota, en varios niveles, una involución a la práctica y doctrina preconciliar. No quisiera correr el riesgo de generalizar, pero es una tendencia bastante notable hacia un poder central de gobierno, a pesar de algunas estructuras colegiales y el criterio de subsidiariedad o descentralización declarado y aceptado en el Concilio.
La falta de participación de algunos sectores del Pueblo de Dios, el lento progreso de la inculturización y los frenos a la libertad de expresión afectan, no pocas veces, al valor supremo de la comunión. Cuando estoy escribiendo esta nota, se está celebrando en Roma el Sínodo africano no como habrían deseado los Obispos. Ejemplo claro del aún vigente cenI tralismo de Roma.
ACTITUDES DE CLARA
Trato ahora de provocar desafíos recordando algunas actitudes más significativas de Clara en su vida y en su carisma franciscano. Puede ser que arroje alguna luz sobre nuestra realidad y nos ayude a transformarla en su relación con Dios, con los hermanos y con la Iglesia.
Una experiencia de Dios
Clara abrió su corazón y vivió la experiencia de Dios compartiéndola con sus hermanas y siendo modelo para ellas. Cuando comunica esta experiencia en sus escritos: la Regla, el Testamento y, sobretodo, en sus caritas a Inés de Praga, lo hace en un lenguaje esponsal tan vivo y connatural que es, a su vez, manifestación de lo que vive en la cotidianeidad, madre y esposa de Cristo, esposa del Espíritu Santo.
Su experiencia, su encuentro y contacto frecuente con Dios y con Jesucristo por el Espíritu, le traía como una especie de olfato de Dios, descubriéndolo en todas las cosas, personas y acontecimientos. Por esta experiencia, instinto y olfato de Dios se puede decir con verdad que Clara era contemplativa en la acción; vivía en un estado continuo de la presencia de Dios. Pero al mismo tiempo eras activa en la contemplación: tenía la certeza de realizar, junto con sus hermanas, "una misteriosa fecundidad apostólica" (cfr. PCI.7). Y con esta certeza y convicción le escribe a Inés: "Para servirme de la mismas palabras del apóstol (1 Cor.3,9) te considero colaboradora del mismo Dios y sostén de los miembros vacilantes de su cuerpo inefable". (C1.3C.8).
Primacía a Jesucristo
Clara da una evidente primacía a Jesucristo y al Espíritu Santo en su relación y camino hacia el Padre y los hermanos. "Mírate cada día en este espejo, ¡oh! reina, esposa de Jesucristo, y observa de continuo en él tu rostro". Y le invita a Inés a descubrir en las distintas partes de este espejo la dichosa pobreza simbolizada en el pesebre; la humildad santa en toda su vida y la inefable caridad manifestada en su muerte en la cruz (cfr. CLAC. 26).
El Cristo de Clara, como el de Francisco, es el Cristo pobre, desnudo, hijo de una madre pobre, el Cristo que descubre en el pesebre, en la cruz, en los pobres y en la eucaristía, donde se realiza, como en síntesis, el "memorial" o recuerdo de su vida, muerte y resurrección, "hasta que él vuelva". Cristo es "el camino mostrado y enseñado con la palabra y el ejemplo por el padre san Francisco, verdadero amante e imitador suyo" (CIT.5).
Primacía de Espíritu
La primacía del Espíritu Santo es una de las características del evangelio de Cristo y de su interpretación hecha por Pablo. También la espiritualidad franciscana le da esa primacía. "Pongan empeño en aspirar, sobre todas las cosas, a poseer el espíritu del Señor y su santa operación, y orar a El con un corazón puro" (2 8.10,9; CIR.10,9). Quiso Francisco que el Espíritu Santo fuera el ministro general de la Orden (cfr. 2 Cel. 193). Esta primacía del Espíritu Santo informó toda la vida de Clara: su relación con Cristo y su Padre, su relación con las hermanas, su servicio de madre, animadora y legisladora de la vida fraterna.
Clara había asimilado e incorporado a su vida con todas sus consecuencias el criterio evangélico: "el sábado ha sido hecho para el hombre y no el hombre para el sábado" (Mc.2,27); y el criterio paulino: "La letra mata pero el espíritu vivifica" (2 Cor. 3,6; cfr,. Av.7). Es otra de las intuiciones de Francisco y de Clara: privilegiar y acentuar el aspecto espiritual sobre el jurídico, la dimensión pastoral, el bien de la persona y de la comunidad frente a la ley normativa.
Clara: espejo y modelo
Clara es un espejo y modelo para vivir en "dimensión contemplativa" y al mismo tiempo un desafío para quienes pretenden prescindir de Dios en sus vidas o tienen con El unía relación puramente conceptual, ideológica; vocal y mecánica. "La experiencia de Dilos es el nuevo nombre de la contemplación en América Latina", ha dicho Juan Pablo II en su "Carta a los religiosos y religiosas de América Latina, con motivo del V Centenario de la evangelización del nuevo mundo". (n.25).
Animadora de relaciones fraternas
Si quisiéramos sintetizar la relación de Cara, abadesa, madre y hermana con las hermanas, podríamos decir que fue una verdadera animadora de las relaciones fraternas, y (servidora de todos.)
Clara tenía conciencia y vivía la igualdad fundamental de todas las hermanas; y por eso permitía y exigía la corresponsabilidad y participación de todas ellas en la vida del monasterio. Y era coherente con esta conciencia y convicción. Basta leer el capítulo c arto de su Regla; y otras expresiones a lo largo de toda ella.
Clara tenía conciencia y vivía un ejercicio pobre y menor de la autoridad evangélica hecha servicio (cfr. Mt.20,20). Y asimiló bien la relación que Francisco establece entre el ministro y el hermano: "Tanta familiaridad debe haber entre la abadesa (madre) y las hermanas que éstas las traten como las señoras a sus siervas, porque así debe ser que la abadesa sea sierva de todas las hermanas" (CIR.10,5).
Legisladora discreta
Clara dejaba un gran espacio al Espíritu Santo, ministro general de la Orden (2 Cel. 193). Guiada por ese Espíritu entendió bien que las normas y las leyes han de ser llevadas a la vida "según los lugares, los tiempos y frías regiones" (2 R.4,2; cfr.CIR,2,17). Por eso es reconocida como la legisladora de la discreción y de la misericordia.
Esta discreción y flexibilidad aparece repetidas veces en la Regla:
En cuanto a los vestidos (CIR.2,17); en cuanto al ayuno (CIR. 3,8-11); en cuanto al silencio (CIR.5,1-4); en cuanto a la pobreza y no-propiedad (CIR.6,12-15); en cuanto a la clausura (CIR.2,13; 11,8); y en cuanto al destino y uso de los regalos o dinero que percibe una hermana (CIR.8,9-11).
Todas estas disposiciones de discernimiento y flexibilidad tienen como raíz y fuente la certeza de que el Espíritu Santo está en todas las hermanas, también en las jóvenes "porque muchas veces revela el Señor a la menor lo que es mejor" (CIR.4,18). Radica en la confianza de Clara la madurez de las hermanas. Hasta tal punto que prescribe, como Francisco, que las hermanas puedan juzgar no apta a la abadesa y elegirse otra como abadesa y madre (CIRA,7.8; 2 R.8,4).
CLARA Y LA IGLESIA JERÁRQUICA
Defensora tenaz del carisma franciscano
Fue, tal vez, una de las características más notables en la vida de Clara y la que puede impactar y sorprender a quien se le acerca por primera vez a ella. Este aspecto de su vida nos permite ahondar y profundizar en dos temas claves en su vida y carisma: el seguimiento de Cristo pobre, desnudo y sin propiedad; y la dependencia jurídica y atención espiritual de las hermanas por parte de Francisco y de sus hermanos menores. Amos temas Clara los consideraba esenciales para salvaguardar el carisma franciscano.
Al mismo tiempo, nos permite matizar su relación con la Iglesia jerárquica de su época, con los Obispos y Papas que se sucedieron a lo largo de su vida: Inocencio III, el Cardenal Hugolino, luego Papa con el nombre de Gregorio IX; Honorio III, Inocencio IV, y el Cardenal Rainaldo, luego Papa Alejandro IV, que la canonizó a los dos años de su muerte (1255).
Paul Sabatier admira esta actitud de Clara frente a la jerarquía como una de las más bellas escenas de la historia de la vida religiosa. La presenta como "una mujer que durante un cuarto de siglo sostiene una lucha de todos los días manteniéndose al mismo tiempo respetuosa e inquebrantable".
"Privilegio de la pobreza"
Con este privilegio Clara salía al paso de dos presiones que, según ella, le impedían vivir el evangelio al estilo franciscano: la Regla de san Benito como base de su forma do vida, exigencia del Concilio IV de Letrán; y la estructura institucional de la vida consagrada en aquella época que no se la concebía sino con posesiones y rentas que dieran una cierta seguridad económica, sobre todo a las monjas de clausura.
Para obviar intromisiones de señores feudales y de Obispos, era común entonces solicitar a los Papas privilegios especiales. Clara, quiso para su monasterio de San Damián este singular privilegio: poder vivir el evangelio de la altísima pobreza, renunciando a cualquier forma de propiedad, siguiendo a Cristo y a su santa Madre.
Ante esa perspectiva y cuando le fue impuesta la Regla de san Benito, Clara se apresuró a obtener de los Papas el "privilegio de! la pobreza" que le permitiera vivir este valor nuclear del evangelio. Ella misma reconoce esta preocupación y solicitud en su Testamento: "Más aún, para mayor cautela me preocupé de que el señor Papa Inocencio, bajo cuyo pontificado comenzamos y otros sucesores suyos corroboraran con sus privilegios nuestra profesión de altísima pobreza, que prometimos también a nuestro padre a fin de que en ningún tiempo nos apartásemos, en manera alguna, de ella" (CIT.42).
Y esta misma preocupación y cautela se la transmite a su amiga del alma, Inés de Praga, que había logrado, también ella, el privilegio de la pobreza para su monasterio. Después de recomendarle que siga los consejos del padre, hermano Elías, ministro general, haciendo un singular elogio de esta figura luego tan discutida en la Orden, le dice a Inés: "Y si alguno te dice o te insinúa otra cosa, que te impida el camino de la perfección que has abrazado, o que parezca estar en oposición con la vocación divina, ¡con todos los respetos! no le hagas caso, sino abrázate, virgen pobrecilla, al Cristo pobre" (C1. 2C. 15-18).
Gesto y palabra profética de Clara
A pesar del privilegio de la pobreza, concedido por Inocencio III a San Damián y la aprobación de Honorio III a los monasterios que seguían el estilo pobre, sin posesiones, el Cardenal Hugolino, siendo ya Papa Gregorio IX, comenzó a ofrecer posesiones, bienes inmuebles y rentas, incluso a las damianitas. Como lo recuerdan los testimonios de las hermanas Pacífica de Guelfuccio de Asís, Bienvenida de Perusa y sor Felipa en el proceso de canonización, Clara se opuso terminantemente a aceptarlos.
Más tarde, con ocasión de la canonización de san Francisco (16 de julio 1228) Hugolino vuelve a insistirle. Y cuando le dice: "Si temes por el voto, Nos, te desligamos del mismo voto", ella inspirada por el Espíritu que siempre la guió, le responde: "Santísimo Padre, a ningún precio deseo ser dispensada del seguimiento indeclinable de Cristo"". Y no tiene más remedio que confirmarle el "privilegio de la pobreza" (17 setiembre 1228).
Paul Sabatier comenta con su habitual sagacidad y cierta ironía la propuesta de Hugolino: "¿Cómo se puede entender que precisamente en la vigilia de la canonización de san Francisco el pontífice haya tenido la idea de proponerle e invitarla a ser infiel a sus votos?". Y admira la respuesta de Clara: "hermosa y santa respuesta, que equivale a un grito de libertad, donde se pinta de cuerpo entero la hija espiritual del pobrecillo".
Desafíos que nos hace Clara
A esta altura de nuestra reflexión podemos recoger algunos desafíos que nos hace Clara a través de sus actitudes y gestos proféticos y que pueden iluminar nuestra experiencia de pobreza.
La no-propiedad colectiva es la clave para la utopía de una nueva sociedad en la que los bienes sean universales, es decir, para todos y no para unos pocos. Se compartan y dejen de ser instrumentos de dominio y de poder. Somos simples administradores y no propietarios absolutos y egoístas de lo que tenemos. "Lo que me sobra para vivir dignamente no me pertenece, lo estoy robando a los pobres", era la enseñanza y la denuncia de los santos Padres y escritores eclesiásticos de los primeros siglos, como san Juan Crisóstomo, san Basilio y otros.
Clara también nos hace un desafío cada vez que buscamos una excesiva seguridad en nuestros pobres lugares insertos o en las grandes casas y conventos. Y sabemos que este mínimo estado de seguridad económico les falta a tantos hermanos que no tienen voz y una institución que los respalde.
Clara nos pone ante un desafío cuando vivimos usando y gozando los bienes con un ritmo consumista y no con la sobriedad y austeridad que exige el evangelio. Clara nos recuerda que el desapego o desapropiación personal de toda apetencia es el secreto y condición primera para la paz interior y la felicidad. Decir "esto me pertenece y me es absolutamente necesario para ser feliz" es la causa de todo sufrimiento y de la falta de paz.
Finalmente, Clara y Francisco, con su lucha por el evangelio de la altísima pobreza iluminan otro episodio de la historia de la Orden franciscana, ocurrido en la primera mitad del siglo XIV. Se trata de una fuerte polémica entre el Papa Juan XXII, apoyado y asesorado por Obispos, Cardenales y los seguidores de santo Domingo por una parte, y los franciscanos por otra. Estos, siguiendo el camino franciscano y clariano de la pobreza de Cristo, argumentaban a partir de la no-propiedad con que vivían Cristo y el grupo de los apóstoles. Esta afirmación franciscana, con una evidente alusión a la situación y al poder de la Iglesia de aquella época, fue condenada por el Papa como herética. Pero la dura polémica arrojó nueva luz sobre la utopía de una nueva sociedad y una nueva Iglesia, como apuntábamos más arriba. Y también vuelve a poner en evidencia y sobre el tapete la verdad de que, en la raíz de muchos conflictos intraeclesiales, está la existencia de diversas cristologías y eclesiologías.
Dependencia jurídica y solicitud por las hermanas
La misma tenacidad mostrada por Clara en la defensa del "privilegio de la pobreza" la manifestó en la necesidad de mantener y de incrementar la intención y la promesa de san Francisco y de sus hermanos de visitar y asistir espiritualmente a las hermanas de San Damián. También en este ámbito hubo de enfrentar, a veces, a los prelados y a los Papas, si bien es cierto que pronto pusieron a las hermanas bajo la dependencia y asistencia de los hermanos menores.
En los comienzos, junto con la Regla de san Benito, el Cardenal Hugolino designa a un hombre de toda su confianza, el cisterciense fr. Ambrosio como visitador estable, con el desagrado de Clara, que obtiene, por privilegio de Honorio III, el nombramiento d fr. Felipe Longo, hermano menor, en ausencia de Francisco en Oriente. Las razones p r las que Clara rechaza a ese visitador eran explicables y justificadas: la incomprensión del carisma franciscano podrían perturbar a las hermanas, coartar la libertad interna del monasterio y enfriar la comunión con los hermanos menores. Posteriormente, fueron los mismos hermanos menores quienes retacearon este cuidado espiritual a las hermanas de San Damián. Hasta que Urbano IV -¡curiosamente él!- intervino en favor de las hermanas diciendo que los hermanos deben asistirlas "porque son miembros de un mismo cuerpo".
Es que la actitud de Francisco había sido algo ambigua en este aspecto: en un comienz9 les promete tener solicitud de ellas, y lo hace. Al final de su vida, las visita menos, no por desdén, sino para "dar ejemplo a quienes se ofrecían espontáneamente" (cfr.2 Ce1.2052 6). Incluso establece en su Regla la prohibición de entrar en monasterios de monjas (2R. 11).
Actitudes de Clara
Clara, conociendo la intención profunda de Francisco, siempre tuvo empeño en mantener y acrecentar su comunión con los hermanos. En resumen:
guardó el escrito con la promesa de Francisco y lo insertó en su Regla (cap.6,4) y en su Testamento (n.29);
frente al nombramiento del cisterciense fr. Ambrosio, como visitador, logra del Papa Honorio III el del hermano Felipe Longo (El desagrado de Francisco se debió a la forma de obtenerlo, o sea, por privilegio, que no entraban en la mente de Francisco);
en su Testamento vuelve a encomendar a sus hermanas al cuidado de la Iglesia y de los hermanos menores (cfr.CIT.44; 50.51);
en su Regla pide cuatro hermanos menores para el servicio del monasterio: un capellán, un clérigo de buena fama; y dos hermanos legos (cfr. CIR. 12,5-7).
Otro gesto profético
Interpretando su amigo y admirador Gregorio IX el capítulo 11 de la Regla de san Francisco, determinó con su autoridad, que ningún hermano visitara los monasterios sin licencia especial de la Santa Sede. De acuerdo a esta disposición, Juan Parenti, Ministro general, prohibió a los hermanos confesar y predicar a las damas pobres. Clara no veía así la cosa, para ella era muy importante. Y dolida porque las hermanas iban a verse privadas del manjar de la doctrina sagrada, dijo a los hermanos que les traían la habitual ayuda material: "Vuelvan donde su Ministro y declárenle de mi parte que por qué les prohibió alimentar nuestras almas con sus piadosas pláticas, de nada sirve que en adelante alimenten nuestros cuerpos con sus limosnas.) Y el Papa, al enterarse de la reacción de Clara, entregó inmediatamente el asunto al Ministro general.
Otra intuición de Clara
Es la misma Iglesia del Concilio Vaticano II la que exhorta insistentemente a salvaguardar y mantener la fidelidad al propio carisma. Siempre que recomienda o solicita a los religiosos la inserción y colaboración en la pastoral diocesana o parroquial, tiene el cuidado de añadir frases como éstas: "sin perder la índole propia de cada Congregación"; "en cuanto lo permite la índole del Instituto". Y un documento posconciliar que trata de regular las relaciones de Obispos y religiosos, vuelve a recordar: "la identidad de cada Instituto sea asegurada de tal manera que pueda evitarse el peligro de la imprecisión con que los religiosos, sin tener suficientemente en cuenta el modo de actuar propio de su índole, se insertan en la vida de la Iglesia de una manera vaga y ambigua".";' Y para lograr esto, es bueno que los Obispos recuerden y procuren que "las religiosas sean tenidas en gran estima y sean valorizadas justamente por el testimonio que dan en calidad de mujeres consagradas, más aún que por los servicios que prestan útil y generosamente"
La experiencia enseña y demuestra que esto no sucede, muchas veces por olvido o por ignorancia de los Obispos o de las mismas religiosas.
EVALUANDO LAS ACTITUDES DE CLARA
Como lo hemos venido haciendo a lo largo de este artículo, seguimos mirando a Clara y a Francisco como dos "leyendas inseparables", que se iluminan recíprocamente. La actitud de Clara y de Francisco frente a la Iglesia jerárquica está ocasionada y motivada en primer lugar, por las dificultades y riesgos que trae consigo el momento en que una inspiración e intuición, vivida en sencillez evangélica, tiene que entrar en los moldes de la institución u organización jurídica. Este paso siempre significa poner límites al espíritu del carisma, pérdida de espontaneidad y vigor, ahogo del espíritu por un excesivo normalismo. La intuición es como la luz de un farol que se difunde y expande, y la intuición convierte a ese farol en un marco que aprisiona la luz y la empobrece.
En la vida de Francisco, el primer encuentro de su intuición evangélica con la institución lo recuerda en su Testamento: "Yo la hice escribir en pocas palabras y con sencillez, y el señor Papa me la confirmó" (Test. 14.15). Luego vendrán otros dos momentos: cuando Francisco y sus hermanos viajan a Roma para obtener la aprobación del Papa Inocencio, y finalmente, la aprobación definitiva de la Regla por Honorio III en 1223.
El camino de Clara para insertar su carisma en la institución no fue menos largo y costoso que el de Francisco. Duró toda su vida hasta dos días antes de su muerte (9 agosto 1253).
"Nadie me enseñó lo que debía hacer"
Esta actitud firme y tenaz de Clara está inspirada también en las palabras de Francisco. Después de expresar repetidamente que el Señor tuvo la iniciativa en todo lo concerniente a su vocación, dice: "Y después que el Señor me dió hermanos, nadie me mostraba lo que debía hacer sino que el mismo Altísimo me reveló que debía vivir según la forma del santo Evangelio" (Test.14).
Esta frase inspiradora y clave para entender la rectitud de Francisco puede tener varios sentidos: el carisma franciscano es totalmente original, no quiso imitar a nadie, ninguna Regla anterior le satisfacía: de ahí la negativa a las propuestas del Papa. Nacido el carisma franciscano de un fenómeno o movimiento popular espontáneo, Francisco se lamenta de que nadie le haya ayudado a discernir. Lejos de una actitud polémica y anticlerical, muestra el dolor al ver que la Iglesia no acompaña a los fieles, a los hijos más humildes (R. Manselli). "Nadie sino el Altísimo me reveló"... Descontado el sentido técnico de la expresión "revelar", Francisco quiere decir que fue libre, y nadie le obligó a hacer lo que hizo y que fue el Señor el que lo condujo y no autoridad humana alguna. ('S)
Clara, motivada e inspirada por Francisco repite frecuentemente en sus escritos que fueron la palabra, el ejemplo y las enseñanzas del beatísimo padre Francisco las que le mostraron el camino, que no es otro que el mismo de Cristo. (cfr. CIT 5,24.46; CIR.6,1; Cl 2C.4).
"La obediencia perfecta"
Las actitudes de Francisco y Clara frente a la autoridad jerárquica, se iluminan, explican y legitiman por lo que ellos mismos escribieron en sus Reglas sobre la obediencia dentro de la fraternidad. "Si sucediere que algún Ministro mandase algo contra nuestra vida, o contra la conciencia de un hermano, éste no está obligado a obedecerle, porque no cabe obediencia donde se comete delito o pecado" (I R.5,2;cfr. 2 8.10,3; CIR.10,1).
Francisco vuelve a clarificar más en detalle este tema de la obediencia en el Aviso 3. Luego de recordar la obediencia ascética (v.l3), la obediencia verdadera (v.4), la obediencia caritativa (v.5.6) pasa a describir la obediencia perfecta (v. 7-9):
"Si el superior le manda a un hermano algo contra su conciencia, aunque no obedezca, no por eso lo deje, aunque tenga que soportar persecución por parte de algunos hermanos. Pues el que prefiere soportar persecución antes que separarse de sus hermanos, permanece con verdad en la obediencia perfecta, ya que da su vida por sus hermanos" (Av. 3, 7-9).
"Esa fue la obediencia heroica de un Francisco que desobedeció y muy gravemente a quienes imponían, obligando con graves penas, el apoyo y la participación en las cruzadas, a quienes le exigían a adoptar reglas antiguas y probadas, y le aconsejaban tener prudentes propiedades. La perfecta obediencia es, según los dictados del Espíritu, solo y a pesar de todo y de todos. En la libertad suprema de permanecer fielmente unido en comunión a pesar de todo y de todos") Esta obediencia perfecta, que también puede llamarse "carismática", es decir, a través del Espíritu y sin mediaciones humanas, la describe y clarifica con su habitual lucidez y con más recursos sicológicos Pablo VI en su exhortación sobre la vida religiosa.
Una evaluación original
Como es habitual en él, Paul Sabatier hace este singular juicio de las actitudes de Clara y Francisco frente a la Iglesia: "Sería absurdo hacer de Francisco un rebelde o un protestante inconsciente; pero también sería falso presentarlo como un puro eco de la autoridad o como un hombre que hubiera renunciado a su propia conciencia". "Clara murió victoriosa no contra alguien, ni contra Gregorio IX o contra Inocencio IV o contra la autoridad., sino victoriosa consigo y con ellos. Son los dos elementos que hacen tan original el catolicismo de san Francisco y Clara: la sumisión en la libertad, la libertad en la sumisión".
AYER Y HOY
Esta actitud de libertad en la sumisión y de sumisión en la libertad, de respetuosa firmeza y constante tenacidad que admiramos en Francisco y en Clara, se repite también en algunos fundadores y otros santos, como santa Teresa de Jesús, santa Catalina de Siena, san Bernardo y otros en su relación con la Iglesia jerárquica.
Y se da, hoy día, en no pocos hermanos nuestros que tienen puntos de vista distintos a los de la Iglesia jerárquica. Por este motivo han sido, a veces, objetos y sujetos de amonestaciones, llamados al silencio y privados del ejercicio de la enseñanza en la Iglesia o del ministerio.
Con motivo de la publicación de un libro de uno de ellos la comisión permanente de la Conferencia Episcopal de Uruguay hizo una declaración con criterios muy equilibrados y sanos.09) Transcribo algunos de ellos aptos para juzgar situaciones de conflictos intraeclesiales con una mirada evangélica y positiva:
"La critica, en la Iglesia, es un derecho y una responsabilidad. Defendemos el derecho de pensar diversamente y expresar públicamente sus convicciones o experiencias propias siempre que no amenace lo fundamental de la fe católica".
"La libertad es ciertamente un bien, pero resplandece en su significado más profundo cuando va a la par de la verdad". "En la Iglesia hay un vasto campo para la opinión, la búsqueda y la investigación".
"La crítica constructiva y evangélica tiene sus reglas de juego:
sufrir de verdad por el objeto de la crítica;
hay modos, lugares y oportunidades para hacer las criticas;
tener en cuenta el resultado de la corrección buscada y el influjo en los fieles".
"En la larga historia de la Iglesia no han faltado voces proféticas -le hombres y mujeres- y pensamos en este momento en santa Catalina de Siena, san Bernardo, que contribuyeron a revitalizar el testimonio-de la Iglesia en su época. Sus ejemplos -como los de tantos hombres y mujeres de hoy- son para nosotros un estímulo".
Y llega el papa Juan Pablo II, siempre sorpresivo en sus signos, que en preparación del jubileo del año 2000 nos invita a hacer una reflexión, ojalá acompañada de gestos concretos como el de Pablo VI pidiendo perdón a los hermanos ortodoxos. Invita a revisar especialmente aquellos hechos históricos, en los que la Iglesia, santa y pecadora, se haya podido equivocar en la evaluación y discernimiento de situaciones y temas Sambiguos o, al menos, ambivalentes.
Que el ejemplo y actitudes de Clara y Francisco sean para nosotros un estímulo y oportunidad para revisar nuestra experiencia de Dios, nuestro camino de la altísima pobreza, nuestra relación fraterna, nuestra relación con el mundo, y nuestra relación con la Iglesia.
Cuadernos franciscanos, Chile, 1994, N° 106

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O FRANCISCANISMO COMO PARADIGMA

Frei Jerônimo Bórmida, OFMCap

1.- OS PARADIGMAS

Paradigma e chave de leitura

Sistema de leitura

Todo conhecimento da realidade – lógico, intuitivo, religioso, estético, técnico... - e toda ação sobre a realidade supõem a aplicação - consciente ou inconsciente - de uma série de códigos prévios, próprios do leitor. Estes parâmetros são proporcionados pela cultura-sociedade, não são produtos privativos e exclusivos do indivíduo. A decodificação de um objeto - cada objeto é infinitamente complexo - exige a adoção de uma série de parâmetros, de guias, de códigos. Esses indicadores permitem conhecer e operar sobre a realidade, mas, ao serem estabelecidos, limitam o âmbito do conhecimento e da ação.
"Conhecer" é também, sempre e de alguma maneira, um "fazer"- "ser feito". Uma maneira de entender e ser entendido é - inevitavelmente - uma maneira de construir-se, construir e ser construído.
          Esses códigos, ao mesmo tempo que possibilitam ler-fazer o real, delimitam – inelutavelmente – o horizonte de compreensão, determinam o ângulo de visão, parcializam o resultado da leitura e conseqüentemente o resultado da ação.
          Os códigos aparecem como sistemas: não se apresentam a nós isolados, como mônadas, mas organicamente, como esquemas interpretativos e operativos, ou seja, como "paradigmas". São sistemas hermenêuticos que provêm da práxis e conduzem à práxis.
          Esses sistemas, por sua vez, se apresentam organizados, sistematizados, dentro de esquemas de comprensão mais globalizantes que, de modo geral poderíamos chamar cosmovisões. A cosmovisão, pré-compreensão orgânica da realidade, é condição sine qua non de todo conhecimento e de toda realização. Essas posturas globais possuem diversos níveis de profundidade interpretativa e âmbitos mais ou menos extensos de comprensão-ação.
          Proponho-me tratar do movimento franciscano primitivo como portador de “novos paradigmas para uma cultura da vida”. Julgo especialmente importante esse resgate da memória subversiva das origens como mensagem válida diante de uma cultura de morte que parece imperante neste fim de milênio.
          A cultura, fruto da experiência, da educacão e do meio ambiente, e até mesmo da genética, é uma das cosmovisões básicas  da experiência humana. Habitualmente definimos a cultura como o modo de ser, de sentir-se e de entender-se de um povo, de un grupo humano com identidade histórico-geográfica. Um povo se distingue de outro pelos diversos paradigmas que a própia comunidade histórica utiliza para entender, sentir, construir e avaliar os dados da realidade. Hoje estamos imersos num processo de universalização que afeta inevitavelmente o planeta, transformado numa aldeia global.
A cultura não é a única cosmovisão interpretativa da realidade. Na mesma categoria poderíamos colocar a religião, a ideologia, a espiritualidade.
Com o termo religião acentuamos a relação da cultura com a sistematização da experiência humana no que se refere ao sagrado, ao trascendente. Há religiões atéias, com dogmas e ritos, com valores trascendentes  absolutizados.
A ideologia integra a luta pelo poder de um grupo social em vista da transformação da realidade em função da sistematização utópica do existente. A cultura e a religião se convertem em ideologia quando procuram apoderar-se do poder na sociedade com o fim de manter, transformar ou recriar a realidade conforme suas próprias utopias.
Espiritualidade é a organização peculiar dos paradigmas amplos da cultura ou religião. Define um movimento que posui uma sistematização própia dos paradigmas comuns, sempre dentro de una cosmovisão mais ampla.
Seja como for, quero definir o franciscanismo como uma religião, uma espiritualidade, uma "nova maneira de ler", tanto em filosofia como em teologia, em ciência ou em política. Pelo que, parece-me válida a pergunta sobre os paradigmas franciscanos para ler-fazer a realidade, por sua maneira própria e peculiar de entender e transformar la realidade.

Lugar social

          Um dos axiomas fundamentais da cosmovisão franciscana consiste na convicção de que os paradigmas não nascem da mera especulação teórica de um grupo de intelectuais desinteresados. Quem se senta à mesa do patrão para tomar bebidas finas, não tem os mesmos paradigmas para interpretar um conflito operário, de outro que se senta à mesa do peão, contentando-se com um vinho barato.
          O lugar geográfico-social é determinante na elaboração dos paradigmas. Este é um dado privilegiado na hermenêutica e na práxis franciscana  tradicionais.
          O teólogo, o filósofo, o místico, o erudito franciscano não se concebe como um intelectual de gabinete, um pensador fechado entre os muros de um mosteiro. O franciscano fez opção por uma vida pobre e sem propriedades, vivendo e caminhando em ambientes próximos dos pobres reais. O lugar social dos pobres reais torna-se necessariamente o horizonte hermenêutico de de seu pensar e de seu agir.
          O franciscanismo pressupõe que essa opção fundante, de modo mais ou menos consciente, querendo ou não, determina necesariamente a formulação de paradigmas alternativos. Só compartilhando o lugar social dos pobres é que se pode dar origem a uma cultura da vida [1] .

Chave de leitura e utopia

Na linguagem vulgar, a utopia [2]   tem como referente o campo da fantasia, do irreal ou irrealizável. O utopista está mais perto da mística que da política, e costuma ser identificado como um sonhador que não tem os pés no chão.
Pelo contrário, temos de definir a utopia como imagem simbólica do projeto final, último, acabado, projeto que define um grupo humano com relação a otro, como diferente do otro. A utopia define a pessoa em relação a si mesma, às outras pessoas, à história, ao cosmos e ao mesmo Deus. Utopia é a formulação simbólico-mítica dos paradigmas que um grupo utiliza para entender, fazer e avaliar a realidade.
Quando um grupo humano consegue definir, formular sua própria utopia, nesse momento também encontrou sua identidade original. Pela utopia, o grupo humano identifica a felicidade germinal, a salvação que desponta, a escravidão que suporta, a condenação que aparece como iminente. A utopia revela o horizonte, a imagem nítida do bem sem mal, da perfeição sem mácula, a liberdade plena, a felicidade perfeita.
A utopia não é nunca o que "não pode estar" em lugar algum. Simplesmente afirma que o projeto formulado por um grupo em dado momento histórico "ainda não está de fato presente totalmente" em determinado lugar. Quando um grupo humano posui um projeto histórico comum, a utopia já é realidade, que embora "ainda não" seja localizável, acabará sendo o lugar-habitação do homem sobre a terra.
As utopias estão sob suspeita, tanto para os defensores do sistema dominante e detentores do poder, como para os comprometidos na luta política para mudar a sociedade e chegar ao poder. O pragmatismo reinante acusa as utopias de serem ineficazes, ou pelo menos formula a grande interrogação acerca da real capacidade transformadora da utopia. A utopia nunca é negação ou recusa da realidade, muito menos uma representação ingênua da irrealidade. Ao contrário, é como uma condensação, uma criação de maior realidade, de realidade total. A utopia pode definir-se como palingenia, como proposta de criatura alternativa, de nova sociedade.
A utopia agride a banalidade da verdade cotidiana com o fim de surpreender e resaltar eficazmente uma medida desproporcional da realidade. Ela se dissocia da verdade real com o objetivo de buscar outra eficácia na instauração da realidade desproporcional.
A utopia pode ser definida como uma nova geração do real, que pretende operar com categorias e orientações diversas daquelas dos paradigmas dominantes.
"Uma ideologia se torna utopia quando quer garantir uma perspectiva de revolução e de poder das clases sociologicamente em fuga para a redenção” [3] .
Quando nos referimos à utopia é preciso apontar para o tema da perfeição, do melhor dos mundos, do mundo pelo qual é preciso trabalhar, das estruturas de convivência humana que é preciso fazer nascer. No fundo estamos diante de um tema altamente político. De fato, as revoluções fracassam quando morrem as utopias que lhes deram origem. 
Na aldeia global a globalização pretende eliminar a diversidade das utopias reduzindo-as a um modelo único. O fim da história sonha  com arrasamento das utopias.  

Paradigmas e ideología

          Os paradigmas dominantes são produto de uma leitura da realidade feita pelas clases dominantes [4] . Seja como for que se chamem – clase, estamento, casta...- os que se apropiaram da cultura, do dinheiro e do poder elaboraram os paradigmas da atual cultura pretensamente global, omniabrangente e definitiva.
Nessa aldeia global de milhões e milhões de habitantes, um punhado de homens se adonou do poder de decisão sobre a produção, o intercâmbio, a distribução e o consumo dos bens - tanto materiais como culturais e espirituais - necesários à sobrevivência da comunidade. Essa ínfima minoria estabelece os paradigmas para entender a realidade e justificá-la.
A seu serviço estão os fabricantes de paradigmas. Os comunicadores, os pensadores, os cientistas e os especialistas em política e economia, os artistas e os profissionais da religião e da teologia estão - mental e geograficamente - situados em ambientes socialmente próximos dos grupos dominantes, usufruindo de seus privilégios. Os fabricantes estão muito longe dos ambientes e das condições de vida dos consumidores de paradigmas.
Os paradigmas já não são, como nos povos antigos, uma produção comunitária. Estão nas mãos de especialistas (sociólogos, analistas políticos, teólogos, artistas, comunicadores, etc.), que se apropriam da produção de paradigmas, tarefa que deveria ser própria da comunidade. O povo fica, pois, reduzido à condição de consumidor pasivo de interpretações elaboradas fora de seus intereses, de suas preocupações e de seus anseios.
Pior ainda, os fazedores de paradigmas se convencem que suas leituras não estão condicionadas por seus intereses, e os consumidores os introjetam acriticamente como inevitáveis e sem alternativa [5] .
A essa dimensão dos paradigmas chamo de ideologia; está destinada a asegurar a dominação de um modelo de sociedade como algo fundado na inelutabilidade da lei natural, chame-se esta "vontade de Deus", "natureza" ou "dever moral".
A ideologia serve tanto para a conciência dos excluídos do sistema a fim de que aceite como natural sua condição, como para os membros da clase dominante a fim de que possam exercer como natural sua exploração e sua dominação.
A ideologia tem pretensões de globalidade. Reivindica para si, implícita o explicitamente, a explicação global do ser humano, partindo de uma situação de fato da sociedade, quer a realidade social seja aceita ou rejeitada. A ideologia tende a ser totalitária e represiva enquanto recusa toda posibilidade de expressão do homem distinta da que é admitida pelo sistema de verdade e dos valores dominantes.
Em princípio, uma visão fatalista do destino não é ideologia, pois, constituindo esta um fator dinâmico da vida social, é portadora de ação.  Tampouco constituem ideologia as modificações sociais a curto prazo, imediatas, parciais, que denominamos reformas. A ideologia supõe a posibilidade de mudança social na história com vistas a realizar um objetivo global do homem ou de uma coletividade.
A ideologia está presente a tal ponto em todos os atos e gestos dos indivíduos que torna-se indiscernível da "experiência vivida"; por isso, toda análise imediata do "vivido" está profundamente marcada pela ação da ideologia.
Mesmo assim, a ideologia não é somente mascaramento para ocultar o que na realidade contradiz os intereses da clase dominante; é também projeto alternativo dos que têm outros paradigmas para ler-fazer a realidade com outros códigos. A história recente da América é ilustrativa.

2.- PARADIGMAS DE UMA CULTURA DA MORTE

Globalização

Neste final de milênio o movimento franciscano se depara com um desafio inédito: os grupos dominantes – clases, castas, estamentos – proclamam o “fim dos paradigmas”. Acabou-se a história; de agora em diante só poderemos esperar a repetição do mesmo... Não é necesário fazer referências bibliográficas dos autores destas idéias: passaram a ser patrimônio comum, linguagem cotidiana na boca de s governantes, ministros, técnicos, inclusive dos que, em décadas pasadas, sustentaram ideologias revolucionárias.
O paradigma único supõe que está sendo implantado un pensamiento único, que se chegou ao fim da história, sem a capacidade de propor alternativas válidas, que é preciso aceitar o neoliberalismo como única alternativa e o mercado como único apoio e base da economia, da cultura, da política e da moral.
O pensamento único supõe a predominância absoluta de um conjunto de lugares comuns econômicos, políticos, culturais, religiosos, morais e sociais uniformizados, incontestáveis. O que contradiz essa visão é imediatamente posto sob suspeita de populismo, irresponsabilidade, irrealismo, angelismo... nós diríamos de "franciscanismo". Quem resiste à globalização é tachado de reacionário.

Exclusão ou cultura de morte

A "globalização" é um fenômeno que aponta para um grupo ínfimo que determina as regras de una única economia global. Chame-se Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional ou Organização Mundial do Comércio, logo se evidencia que as novas regras liberalizadas da economia mundial foram pensadas em favor da liberdade de bem poucas pessoas e da escravidão da quase totalidade.
A "globalização" não supõe que todos, em todo mundo, são ou podem ser integrados no novo mundo feliz. Atualmente apenas um terço da população está dentro do sistema e goza de seus beneficios, enquanto os outros dois terços ficam excluídos à margem da nova ordem. Essa proporção cresce nos países pobres, havendo regiões enteiras que ficam eliminadas da história. Quem não está em condições de competir perde o direito à existência, seja indivíduo, empresa ou nação.
A nova religião - que pretende suplantar todas as outras - chama-se neoliberalismo. É um sistema de paradigmas mítico-simbólicos que deposita toda confiança no mito do mercado, sem que essa doutrina esteja baseada na experiência. Confrontamo-nos assim com dogmas neoliberais, com seus adeptos e fiéis mais ou menos ortodoxos ou heterodoxos. O novo deus mercado tem seus ritos sangrentos e sua nova ética, excludente e definitiva.
Um desses dogmas diz que o mercado entregue absolutamente ao próprio automatismo, criará investimentos, empregos e desenvolvimento benéfico para todos. Na prática o que acontece é exatamente o contrário.
As cifras são conhecidas de todos: em nivel mundial, os 20% mais ricos melhoraram sua posição, enquanto os outros 80% ficaram mais pobres e continuam empobrecendo. Quanto mais alto alguém se encontra na escala do lucro, maior a sua ganância, e vice-versa. Isso aconteceu no interior dos países e entre os países (por ex., a diferença entre o norte e o sul, em 30 anos, mais que duplicou; 20% da população da terra recebe 85% da riqueza mundial; e 20% recebe 1,4%, etc, etc). Estes dados podem ser lidos nos diários e semanários, e bastaria acompanhar atentamente as intervenções de João Paulo II em cada ocasião propícia para tocar no tema. A dívida fez com que a principal rubrica de exportação dos países pobres para os países ricos fosse a transferência de riqueza do sul  para o norte. Os pobres exportam capital.
O pior de tudo é que os paradigmas neoliberais supõem necesariamente que nesse processo haverá, lamentável mas inevitavelmente, uma grande massa de excluídos que terá como destino desaparecer, como muitas espécies ao longo do processo evolutivo.
Esse presuposto reforça o ciclo da pobreza: supõe o corte radical de todo tipo de asistência estatal aos pobres que não têm capacidade de competir no mercado. Os excluídos já estão mortos e aos mortos não se assiste.
Talvez o mais preocupante é que esse novo paradigma afeta as relações de solidaridade entre os indivíduos: todos estão em concorrência com todos por uma vaga no emprego. Não há condições para se pensar em solidaridade quando cada um é firme candidato a acabar no montão de lixo do mercado. Todos podemos estar sobrando a qualquer momento.
Ao capitalismo neoliberal interessa contar com indivíduos isolados que comprem cada vez mais. Inclusive, uma taxa  elevada de divórcios traz vantagens para o mercado, já que multiplica os compradores potenciais de eletrodomésticos, carros, televisores, móveis, etc.
A ecologia se reduz à lógica do mercado sem que entrem em jogo a solidaridade com a terra e com as gerações futuras: sobrevivem as espécies competitivas, as otras ficam excluídas da evolução. Não é ético lutar para preservar da extinção o tigre, a baleia e outras espécimes ameaçadas. Espécies e raças, plantas ou culturas: a evolução natural dará razão ao que for mais forte e  melhor adaptado.

Fatalismo ou fim de la história

       Quais são as crenças e os comportamentos conseqüentes que constituem esse "pensamento único", o qual não só domina e governa nossas economias como também faz aceitar tudo isso como "fatalidade"?
Creio que se pode resumir tudo neste decálogo [6] :
1.      O mercado é a única norma ética universalmente válida [7] . Regula-se por uma espécie de "ordem natural", e deve ser evitado, inclusive como não-ético, tudo o que possa perturbá-lo.
2.      O neoliberalismo e a mundialização ou globalização da economia que inclui a mais absoluta e livre circulação de bens e capitais constituem o cuadro ideal para o progresso e o objetivo primário da sociedade.
3.      A competência regulada pelo mercado é a única norma eficaz, tanto econômica como socialmente: quem é incapaz de competir fica excluído.
4.      Tanto o progresso técnico como todo aumento da produtividade conduzem a um futuro melhor, por mais que isso não reverta imediatamente em benefício de todas as coletividades e de todos os indivíduos.
5.      As leis do mercado, com suas conseqüentes exigências de qualidade e competitividade, produzem a curto prazo mais desigualdades, uma infinidade de  exclusões e uma pobreza massiva, mas estas são tão transitórias quanto inevitáveis para chegar a otimizar os resultados.
6.      O custo social do império do mercado será sempre inferior às vantagens coletivas que produzirá no futuro.
7.      O crecimento econômico acabará absovendo os efeitos negativos, como o desemprego, a marginalização e a pobreza.
8.      Os problemas sociais e políticos são um apêndice dos problemas econômicos: o mercado regula a moral, a cultura e o governo dos povos.
9.      A homogenização produzida pelo mercado, baseada na lei da competência e do progresso técnico, é o meio mais seguro para garantir no mundo a paz e a segurança.
10. A rigorosa ortodoxia financeira das finanças públicas e da moeda é a condição  "sine qua non " da saúde e do crecimento econômico: as finanças são mais importantes que a produção.
Esta proposta produz uma série de efeitos em nível mundial: globalização dos mercados dos produtos (bens e serviços) e dos mercados financeiros; domínio do financeiro sobre o econômico real; ausência do estado na economia e na sociedade; crise do trabalho; forte aumento das desigualdades (riqueza e pobreza), dissociação entre a economia, o social e o cultural.

Busca e permanência de alternativas

Seja como for, não somos meras vítimas pasivas de un fatal processo evolutivo, não padecemos no mundo de hoje de ausência total de alternativas. Por um lado, o modelo - aparentemente inabalável desde quase uma década - está se despedaçando. Por otro, abundam as propostas de orientações e comportamentos que podem criar alternativas.
As propostas podem parecer-nos minúsculas, insignificantes, porém, creio que são capazes de conformar uma rede fina e extensa, apta para fabricar novos paradigmas para uma cultura da vida. Por ejemplo, vemos novas formas de economia "plural", maneiras distintas de responder  às necesidades do homem, uma inserção diferente na comunidade do trabalho, uma real corresponsabilidade nas novas opções...
O franciscanismo tem de aceitar seu destino e asumir o desafio de constituir-se numa dessas forças capazes de propor paradigmas geradores de vida.

3.- O FRANCISCANISMO COMO PARADIGMA

A cosmovisão tradicional do movimento franciscano possui uma série de paradigmas que ainda hoje soam como recém nacidos, capazes de desafiar a cultura de morte que parece vencedora.

Paradigma radicalmente alternativo

Suponho que os dados da realidade são de uma complexidade e polisemia infinita e que a complexidade do sujeito individual e coletivo que os gesta e interpreta não é menor. Pelo que, parto de três presupostos:
a)                  A existência de paradigmas diversificados e contraditórios na tarefa de escrever ou de fazer o vir a ser.
b)                 A necesidade de optar entre uma série de paradigmas, mesmo que não sempre eles sejam contraditórios.
c)                A inevitabilidade de um "tomar partido hermenêutico".
Nem na teoria nem nos fatos existem "paradigmas neutros". Toda chave de leitura, voluntária ou involuntariamente, é efeito e causa de cultura e ideologia, e necesariamente sofre o influxo dos conflitos que afetam o ambiente. Não se pode fazer uma história das idéias, sem levar em conta que as idéias ou assumem ou contradizem a postura dos que detêm em suas mãos o poder. O franciscanismo –para ser fiel a sua identidade espiritual – tem de coclocar-se em confrontação clara e explícita contra os paradigmas neoliberais.
É ilustrativo um exemplo dos escritos de Saão Francisco.
Nas duas redações da Carta aos Custódios, encargados de levar graves mensagens aos grandes da terra, Francisco adverte com total clarividência sobre a radical oposição entre a chave hermenêutica do mundo, tanto dos homens em geral como dos próprios religiosos. Há um olhar segundo Deus que está na antítese do juízo comum:
"Salvação com novos sinais do céu e da terra, que, grandes e excelentes aos olhos de Deus, são contudo consideradas insignificantes por muitos religiosos e outros homens ".
"Sabei que existem algumas coisas que, aos olhos de Deus, são muito altas e sublimes, mas consideradas pelos homens como vis e desprezíveis; ao passo que existem outras que são apreciadas e admiradas pelos homens, mas consideradas por Deus como vilíssimas e desprezíveis." [8]
São Francisco nos situa no centro do problema hermenêutico. Os paradigmas de Deus são antitéticos aos de muitos homens, inclusive religiosos. Quando opto pelo franciscanismo como paradigma da história estou consciente de assumir um ponto de partida polêmico: coloco-me desde o início em contradição com as estruturas de poder que dominaram a história [9] .

Os paradigmas do Espírito contrários aos do sistema

Para os paradigmas franciscanos seria impensável fundamentar no direito à propiedade uma sociedade realmente humana e humanizadora. O homem como tal que soube reconhecer a função que lhe confiou Deus na terra e na história, esse homem não tem direito a possuir. O homem se define como filho-irmão, não como pai-patrão, tanto dos outros homens como das coisas. Os franciscanos teriam que dizer aos políticos que trabaham para instaurar uma nova ordem mundial, aos economistas que querem imaginar uma nova economia de escala humana, aos ambientalistas que apostam numa melhor qualidade de vida do homem, aos preservacionistas que brigam para conservar as espécies em extinção, especialmente a do ser humano, aos pastoralistas que querem construir uma Igreja mais evangélica... a todos eles, o anúncio basilar, primeiro, fundante: começar por revisar a fundo a teoria e o exercício da propriedade e do poder. Numa sociedade cimentada em paradigmas franciscanos o homem não tem direito a possuir, a comprar, a vender, a usar, como se as coisas fossem realmente suas. Se se quier criar uma nova cultura da vida no planeta, reforme-se o sistema de propiedade.
Para os dogmas neoliberais a democracia e o libérrimo mercado são o único futuro possível: os franciscanos teriam que anunciar que não se pode falar de liberdade, de participação, de cogestão... de verdadeira democracia, enquanto a "posse dos bens", culturais, materiais, espirituais, enquanto todo poder de decisão estiver em mãos de bem poucos. O franciscano, cuando fala de liberdade, de fraternidade, de governo popular, relaciona isto simultaneamente com os temas da pobreza, poder, propiedade, desapropriação,  participação [10] .
Os franciscanos sonham com uma sociedade baseada em paradigmas do Espírito, contrários aos da Carne. Se analisarmos as fontes primitivas, a família semântica espírito santo, espiritual, espiritualmente, tem quase a mesma freqüência da família oposta: carne, carnal, carnalmente. Podemos contar umas 200 citações significativas, muitas comuns.
Francisco começou sua vida agindo de acordo com os paradigmas da carne, porém o Espírito o conduziu aos opostos do sistema: saiu do século. Seus contemporâneos pensam e agem de acordo com o instinto animal, com a inteligência carnal [11] .
A cristiandade toda, com o papa a frente, está numa guerra santa contra os inimigos de Deus e do Império. Francisco e os seus se movem com outros paradigmas e se propoem ir conviver com os inimigos, comportando-se entre eles espiritualmente, não promovendo disputas e controvérsias, e trabalhando como peões a serviço do infiel, como cristãos com paradigmas alternativos [12] .
O sistema de valores medieval se baseia na glória de Deus Soberano Senhor do Universo que se revela no esplendor da Igreja, especialmente no de seus ministros. Para São Francisco tudo isso é carne, oposto ao espírito, e como carne mata, é morte. Os irmãos que querem viver no Espírito de Deus que dá vida, deverão agir com paradigmas contrários aos do sistema dominante.
Francisco como homem  que tem o espírito de Deus [13] propõe aos seus um novo paradigma que provém do Espírito: frente a um sistema que persegue os dessidentes, herejes e infieles, Francisco prõe que  todo aquele que se aproximar deles,  amigo ou adversário, ladrão ou bandido, seja acolhido benignamente [14] . 

Gratuidade X mercado

Talvez o mais antagônico ao neoliberalismo mercantilista o encontremos na capacidade franciscana de viver na alegria gratuita do Espírito. A palavra alegria aparece umas 248 vezes nos Escritos e Biografías. O fogo do Espírito imprime uma visão apaixonada da vida. Nos antípodas dos valores do mercado, a gratuidade alegre do viver enamorado produz essa embriaguez de alegria solidária que só os pobres e excluídos podem experimentar. 
Os irmãos, quando tornavam a ver-se, transbordavam de tanta jovialidade e júbilo espiritual, que esqueciam-se das adversidades e pobreza extrema que padeciam [15] . A carne, com outros paradigmas, oferece outras alegrias, falsas [16] . A alegria do espírito é aquela que sabe que: Não será para sempre frustrada a esperança do pobre. A alegria verdadeira é a alegria dos pobres: Os pobres verão e se alegrarão [17] .
No ditado de Francisco a frei Leão sobre a verdadeira Alegria, são assentadas as bases de uma cultura da felicidade, nos antípodas da ideologia dominante. Vale a pena deter-se no texto [18] .
Certo dia, o bem-aventurado Francisco, estando em Santa Maria, chamou    frei Leão e lhe disse: - Frei Leão, escreve. Este respondeu: - Estou pronto.
- Escreve – disse-lhe – no consiste a verdadeira Alegria: Chega um mensajeiro comunicando que todos os mestres de Paris ingressaram na Ordem. Escribe: “Não está nisto a  verdadera Alegria”.
Escreve também que ingressaram na Ordem todos os prelados ultramontanos, os arcebispos  e bispos; e também o rei da França e o rei da Inglaterra. Escribe: “Não está nisto a verdadera Alegria”.
Escreve, ainda, que meus irmãos foram aos infiéis e os converteram todos à fé; e, além disso, eu recebi de Deus a graça de curar os enfermos e de fazer muitos milagres. Digo-te que em todas estas coisas não está a verdadeira alegria.
A falsa alegria seria aquela produzida pela posse de toda ciência, de todo poder civil, militar eclesiástico e, ainda mais, pela capacidade de eliminar os processos lentos da história até poder acabar de vez com os inimigos da fé e eliminar milagrosamente o mal do mundo.
Digo-te: se se tiver paciência e não se perder a calma, nisto está a verdadeira alegria, e também a verdadeira virtude e o bem da alma.
A verdadeira alegria supõe a capacidade de percorrer de novo o caminho - desde Perusa, onde começou a conversão, até a Porciúncula, onde termina o processo de fundação do movimento -, inclusive nas horas sombrias da vida, coberto de lama, gelado e tiritando de frio, sendo rechaçado pela fraternidade que se convirteu em mosteiro - não é hora decente para chegar  -, que o acusa de hereje - és un simplório e falso – e não precisa mais dele... Até ao ponto de ter de voltar ao lugar dos crucíferos - um leprosário - para começar tudo de novo.
A alegria falsa se deleitaria no uso do poder, da força, do número. Conforme os paradigmas da carne, Francisco deveria ter agido com autoridade e expulsado os rebeldes que rechaçam o líder e fundador inspirado por Deus. A alegria verdadeira está na não violência, na paciência, na paz: Se suportarmos tudo isto com paciência e sem nos deixarmos perturbar, nisto está a verdadeira alegria, e também a verdadeira virtude e o bem da alma. 
Na 5ª Admoestação, Francisco sistematiza este paradigma em chave cristológica. O homem foi constituído pelo Senhor Deus em grande excelência, pois foi criado e formado à imagem de seu dileto Filho, segundo o corpo, e à sua semelhança segundo o Espírito. Na mesma linha do ditado sobre a verdadeira alegria, Francisco não situa o paradigma da imagen e semelhança divinas na posse da ciência suprema, na capacidade de interpretar todo tipo de línguas, nem mesmo na mística ou na teologia. Tudo isto é própio do demônio, que é especialista nas coisas celestiais e terrenas, e sabe a respeito delas mais do que o maior sábio entre todos os homens. Tampouco a imagem e semelhança se reproduz nos mais formosos e ricos, nos fazedores de milagres e expulsadores de todos os demônios que aterrorizam a humanidade. 
A imagem e semelhança, possuem-na os crucificados, os enfermos, os débeis que levam o estandarte da nova cruzada que renuncia aos paradigmas da ideologia feudal dominante baseada no poder, na nobreza, na ciência, na ortodoxia... na guerra.
O paradigma do franciscamo não é pragmático mas utópico, não busca a competitividade mas o serviço, vive alegre na mais pura e radical gratuidad de Espírito, que inclui na festa da vida todos os excluídos, os fracassados, os que não puderam tornar-se competitivos para ter êxito na lei da oferta e procura.

Cultura da Vida X cultura da morte

Para Francisco as criaturas não são objeto de compra e venda, mas companheiras no grande culto da criação a Deus [19] . Abrasado no fogo divino, não conseguia ocultar exteriormente o ardor de seu espírito [20] , ébrio de espírito [21] , impõe um modo apaixonado de amar a vida, toda vida:
Seu espírito de caridade se derramava em piedoso afeto, não somente sobre homens que sofriam necesidades, mas também sobre os mudos e brutos animais, répteis, aves e demais criaturas sensíveis e insensíveis.
Também ardia em veemente amor pelos vermezinhos, porque tinha lido que se disse do Salvador: Sou um verme e não um homem, e por isso os recolhia do caminho e os colocava em lugar seguro para que não fossem esmagados pelos pés dos transeuntes. E que dizer das outras criaturas inferiores, quando fazia com que dessem às abelhas mel ou o melhor vinho, durante o inverno, para que não perecessem pela inclemência do frio? Desfazia-se em louvores à glória do Senhor, ponderando sua laboriosidade e a excelência de seu engenho; tanto que, às vezes, pasava todo um dia em louvores por estas e as demais criaturas.
Há vários fatos curiosos pelos quais se nos impõe a cultura da vida do movimento franciscano. Os biógrafos contam que o próprio Francisco amaldiçoou uma porca que matou sem necesidade de comer [22] ; luta pela paz numa sociedade que vivia em estado de guerra permanente. Em escritos e biografias a palavra paz aparece unas 130 vezes e se cimenta sobre a renúncia total à propiedade:
Quando os irmãos forem pelo mundo, nada levem consigo pelo caminho: nem bolsa, nem alforje, nem pão, nem pecúnia, nem bastão  (cf. Lc 9,3; 10,4; Mt 10,10).  E em toda casa em que entrarem, primeiro  digam: Paz a esta casa. E, permanecendo na mesma casa,  comam e bebam do que nela houver (cf. Lc 10,5.7). Não resistam ao mau, mas a quem os ferir numa face, ofereçam-lhe também a outra (cf. Mt 5,39). E a quem lhes tirar a capa, não lhe impeçam de levar também a túnica. Dêem a todos o que lhes pedirem; e a quem lhes tirar a casa, não a reclamem (cf. Lc 6,29 - 30) [23] .
Contra a Igreja-sociedade de seu tempo, Francisco proíbe brigar com os herejes: os irmãos que vão pelo mundo, não discutam nem contendam com palavras (cf. 2Tim 2,14) nem julguem os outros; mas sejam mansos, pacíficos, modestos e humildes. Em toda casa em que entrarem, digam: Paz a esta casa! (cf. Lc 10,5). E, conforme o santo Evangelho, poderão comer de todos os alimentos que lhes forem servidos (cf. Lc 10,8) [24] .
O movimento franciscano se enfrentou com muitos que rechaçavam a Paz e a salvação. Não conseguiu o nacimento de uma nova sociedade fundada em outros paradigmas, porém, com a ajuda de Deus, muitos abraçaram a Paz de todo coração e se convirteram em filhos da Paz [25] .
Essa pacificação supera o âmbito humano e se abre a todas as criaturas, que devem ser respeitadas e veneradas.
Costumava dizer ao irmão que tomava conta da horta que não ocupasse todo o terreno com legumes, mas reservasse uma parte para as árvores, que, a seu tempo, produziriam flores para os irmãos, por amor daquele que se chama "flor dos campos e lírio dos vales". Recomendava também ao jardineiro que reservasse sempre uma parte do jardim para as ervas odoríferas e plantas que produzem belas flores a fim de que, a seu tempo, elas convidassem ao louvor de Deus os homens que as vissem. Pois toda criatura diz e proclama: "Deus me criou para ti, ó homem!" [26] .

4.- CONCLUSÃO

Apesar de o franciscanismo ter endossado, ao longo dos séculos, uma pesada institucionalidade, pode mesmo assim ser definido como um modo de existir, uma maneira de ser no mundo, dotada de uma escala de valores, um modelo de relacionamento, uma estructuração da convivência social, um modo de pensar, uma maneira de hacer.
Não me conformo com o pragmatismo conformista que invade os ambientes do movimento franciscano no final do milênio. Creio na capacidade de resistência dos paradigmas inspirados pelo Espírito a Francisco de Asis. Estou convencido da vitória final da liberdade, da gratuidade, da renúncia à propiedade. Tenho a obrigação de continuar sonhando com um mundo pobre e fraterno... e feliz.
                                   (Trad.: A. G. Pilonetto)
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NOTAS

[1]     Insisto na adjetivação reais referindo-me aos pobres.  São os pobres-pobres, sem distinções teóricas ou místicas. Os que na linguagem comum são chamados como tais.
[2]      Cf BORMIDA J., Identidad, realidad y utopía. Introducción a la espiritualidad franciscana, Santiago de Chile 1986, todo o Cap. III.
[3]      MANCINI I., Teologia, ideologia, utopia, Brescia 1974;  467-468.
[4]     É uma citação que habitualmente remete ao Manifesto, porém, aqui a utilizo mais como um dos dados adquiridos na compreensão da realidade.
[5]      MADURO O., Trabajo y religión según K Marx, CONCILIUM, n. 151,  20-21.
[6]    Aproveitei-me, nesta parte, dos documentos do VI Conselho Plenário da Ordem dos Capuchihos, celebrado em Asis, em setembro de 1998.
[7]      Veja-se o excelente livro de REBELLATO, José Luis, La encrucijada de la Ética. Neoliberalismo, conflicto Norte-Sur, Liberación: Montevideo,1995.
[8]      Veja-se a 1 e 2 CtaCus.
[9]     Cf  1Cor 1, 18-28. "Com efeito, a linguagem da cruz é loucura para os que se perdem; mas para os que se salvam, para nós, é poder de Deus. Pois diz a Escritura: 'Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o homem culto?' Onde está o argumentador deste século? Com efeito, visto que o mundo por meio da sabedoria não reconheceu Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus pela loucura da pregação salvar aqueles que crêem. Os juddeus pedem sinais, e os gregos andam em busca da sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, que, para os judeus, é escândalo, para os gentios é loucura, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens... O que é louvcura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e, o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; e, o que no mundo é vil e desprezado, o que não é, Deus o escolheu para reduzir a nada o que é..."  A teologia chamada da libertação não é senão um esforço para estruturar uma hermenêutica teológica a partir da ótica imposta pelo espírito de Jesus, poder de Deus manifestado no não poder dos homens, sabedoria de Deus revelada na loucura dos fiéis. Estes são os paradigmas próprios do Espírito de Jesus.
[10]    Vejam-se meus livros: Identidad, realidad y utopía. Introducción a la espiritualidad franciscana, Santiago de Chile 1986; La no propiedad, una propuesta de los franciscanos del siglo XIV, Montevideo, 1996 (trad. port: A não-propriedade, Porto Alegre: Edições EST, 1997); Datos históricos para una eclesiología franciscana, Montevideo 1997. Artigos: El relato de la verdadera alegría y lo socio-político,  Cuadernos  Franciscanos, 96, outubro-dezembro, 25/1991, 223-228; La admonición Vª. de San Francisco: los crucificados como imagen de Dios,  Cuadernos  Franciscanos, 80, dezembro 20/1987; Minoridad y solidaridad en y desde América Latina,  Cuadernos  Franciscanos, 63,  março 1983; Profetas verdaderos y falsos: criterio para el discernimiento,  Cuadernos  Franciscanos, 70,  junho 18/1985.
[11]    EspPerf. 15.
[12]    RNB 16.
[13]    2Cel  104.
[14]     RNB 7.
[15]    AP  25.
[16]    2Cel  130.
[17]    2Cel  70.
[18]   Fioretti, cap. 8.
[19]    1Cel  81. Ao encontrar-se em presença de muitas flores, lhes pregava, convidando-as a louvar o Senhor, como se gozassem do dom da razão.  
[20]    1Cel  6. A palavra fogo aparece 115 vezes nas  biografias. 2Cel 69: Era mais o calor do fogo divino que sentia dentro do que o calor que lhe dava por fora a roupa com que abrigava o corpo. LMayor 05.2: Preguntado em certa ocasião como podia, con vestidos tão leves, defender-se da aspereza do frio invernal, respondeu cheio de fervor de espírito: "Ser-nos-ia fácil suportar exteriormente este frio se estivéssemos interiormente inflamados pelo desejo da pátria celestial". EspPerf. 15:  Revestido da virtude do alto, este homem mais se aquecia interiormente com o fogo divino do que exteriormente com o abrigo do corpo.
[21]    1Cel 56; 2Cel 13: ...como ébrio de espírito, pede, expresando-se em francês, a provisão de azeite, e a obtém... é que sempre que era penetrado pelos ardores do Espírito Santo, comunicava, expresando-se em francês, as ardentes palavras que lhe buliam por dentro. Boaventura insiste neste aspecto inflamado da visão de Francisco. LMayor 12.7: Sua palavra era como fogo ardente que emitia o sopro da  inspiração divina. LMayor 13.3: havia de ser transformado totalmente em imagem de Cristo crucificado não pelo martírio da carne, mas pelo incêndio de seu espírito. LMayor 09.2:  Seu amor ao sacramento do Corpo do Senhor era um fogo que abrasaba todo seu ser; como ébrio de espírito, era, muitas vezes, arrebatado em êxtase. LMen 6: ... o incêndio de seu espírito, como se a prévia virtude liquefactiva do fogo lhe tivesse seguido uma certa gravação configurativa.
[22]    2Cel  111. Uma ovelhinha deu à luz um cordeirinho. Uma porca, muito cruel, sem ligar com a vida inocente, o matou com uma dentada feroz. Ao levantar-se pela manhã, encontram o cordeirinho morto e logo se dão conta de que a porca é a assassina. A tal notícia o piedoso pai disse: "Maldita seja a ímpia que te matou. Nem homem nem animal coma de sua carne". E deu-se o prodígio: a porca criminosa logo começou a sentir-se mal e, depois de três dias de torturas, acabou numa morte vingadora. Foi jogada no montouro do mosteiro, onde ficou por muito tempo, seca como uma tábua, não servindo de alimento a esfomeado algum.
[23]    RNB 14
[24]    RB 3
[25] 1Cel. 23.
[26] EspPerf. 118.