sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Os sinais de Deus no tempo que corre

Efésios 4,1-6; Lucas 12, 54-59

Jesus  convida seus discípulos a descobrirem os sinais de Deus nas coisas que passam, na história concreta que as pessoas vivem. Deus nos fala também através dos acontecimentos, das novidades que nos interpelam, nos desafios que a vida nos apresenta. Através daquilo que nos vai acontecendo, o Senhor pede que demos um passo adiante e que não venhamos a nos fixar no passado. Os judeus estavam acostumados a escutar a voz de Deus através da Bíblia e as pessoas habituadas a interpretar os sinais da natureza anunciando mudança de clima. Da mesma forma, Jesus pede que  estejam atentos ao que Deus quer dizer através dos novos acontecimentos.
Sinais dos tempos são acontecimentos exprimem aspirações do mundo de hoje. O  Concilio do  Vaticano II assim se exprimiu sobre o assunto: “Movido pela fé, conduzido pelo Espírito do Senhor que enche o orbe da terra, o Povo de Deus esforça-se por discernir  nos acontecimentos, nas exigências, nas aspirações de nossos tempos, quais eram os sinais verdadeiros da presença ou dos desígnios de Deus.  A fé, com efeito, esclarece todas as coisas com luz nova” (Gaudium et Spes, 11).
Não é tão fácil ler nos acontecimentos sinais dos tempos.  A promoção e o respeito pela mulher, que nosso tempo conhece sempre foi visto como um sinal dos tempos. Mesmo com a difusão  do cristianismo através dos tempos a mulher viveu no mundo e na Igreja uma situação de subserviência. Movimentos, reivindicações, campanhas foram sendo desenvolvidas para  restituir-lhe a dignidade que lhe cabe.  A batalha pela busca da dignidade da mulher é, pois, um sinal dos tempos.
As primeiras páginas da Bíblia nos falam da criação do mundo e do homem. A este é confiado o jardim do Éden. O homem ficou sendo o guardião do cosmos. Ora, os fatos concretos da poluição, desmatamento, queimadas e tantos outros cataclismos são sinais de alerta de Deus a respeito da preservação da natureza para o bem da própria  humanidade.
Na Idade Média,  Francisco de Assis, a partir de uma visão de fé do mundo saindo das mãos de Deus e compôs o belíssimo Cântico do Irmão Sol  no qual o santo louva a terra, o vento, o verde e água. Ao longo dos últimos tempos, a cidade de Assis foi se tornando espaço de paz e de diálogo entre todos. O Cântico, o apreço que lhe é prestado,  a sensibilização de todos com respeito ao tema da preservação do ambiente é um sinal dos tempos. O Senhor nos fala deste modo.
Tempos houve em que nós, católicos, éramos maioria. Nem sempre uma maioria  qualitativamente excelente, mas maioria. Ora, a sensível diminuição dos efetivos católicos é um grito de alerta: alguma coisa precisa ser mudada, revista.  Os sintomas de envelhecimento e de esforços que muitas vezes são feitos  na linha de mera conservação não favorecem o presente e o amanhã da Igreja. Serão necessários óculos eficazes para fazer a leitura desse sinal….
Fonte: http://www.franciscanos.org.br/?p=26375
Frei Almir Ribeiro Guimarães

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Oração do Pai Nosso.

  Fr. José Edison Biazio, OFMCap

fonte: http://www.centrofranciscano.org.br 

 
Pai nosso que estais nos céus, santificado seja o vosso nosso; venha nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia nos dais hoje; perdoai-nos as nossas ofensas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido; e não nos deixeis cair em tentação mas livrai-nos do mal. Amém

O Pai-nosso aparece duas vezes no NT, em Mateus e em Lucas, com algumas diferenças: 
Mt 6,9-13
Lc 11,2-4
Pai nosso, que estás no céu;
Pai,
Santificado seja o teu nome;
santificado seja o teu nome.
venha o teu reino;
Venha o teu Reino
seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.

Dá-nos hoje o pão nosso de cada dia.
Dá-nos a cada dia o pão de amanhã,
Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores.
e perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também perdoamos a todos aqueles que nos devem;
E não nos deixes cair em tentação,
e não nos deixes cair em tentação.
Mas livra-nos do mal.


A oração do Pai nosso é sem dúvida nenhuma a principal fórmula de oração cristã. Ela é de suma importância, pois nos foi dada pelo próprio Jesus Cristo. Ou seja o próprio Deus, como Verbo encarnado, nos mostra a maneira correta e eficiente de orar.
Por isso, o Pai nosso é chamado de oração dominical, ou seja, oração do Senhor.
Cristo, como Verbo Encarnado, sabe exatamente das necessidades dos seus irmãos e irmãs humanas. E como Filho de Deus nos ensina esta oração. Mas Cristo não quer que repitamos esta oração maquinalmente. Ela deve ser proferida com humildade e confiança com o auxilio do Espírito Santo.
O Pai nosso é realmente o resumo de todo o Evangelho. Depois de nos ter legado esta fórmula de oração, o Senhor acrescentou: “Pedi e vos será dado” (Lc 11,9). Cada qual pode, portanto, dirigir ao céu diversas orações conforme as suas necessidades, mas começando sempre pela oração do Senhor, que permanece a oração fundamental.
Percorrendo todas as orações das Escrituras, é difícil encontrar nelas algo que já não esteja incluído no Pai Nosso.
São Tomás de Aquino já dizia: “A oração dominical é a mais perfeita das orações... Nela não só pedimos tudo quanto podemos desejar corretamente, mas ainda segundo a ordem em que convém desejá-lo. De modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas ordena também os nossos afetos.”

* Pai nosso – logo no início da oração do Senhor nos é dada uma revelação essencial. Deus em seu infinito Amor nos adota como seus filhos. E nos ensina a rezar não só por nós mesmos, mas pelos nossos irmãos, por toda a comunidade. Pois nós não rezamos “Meu Pai” e sim “Pai Nosso”. Ao chamar Deus de Pai, estamos reconhecendo que ele é a fonte da vida, o poder supremo, a misericórdia infinita; que nos fiamos nele e dele esperamos tudo; que nossas relações com ele sejam filiais, cheias de amor e de respeito. A palavra “pai” fala, por si mesma, de amor, e quando se refere a Deus, fala de seu amor infinito para conosco, por ele demonstrado ao entregar seu Filho único para a salvação do mundo (IJo 4,1-11). E como é um bom pai, dá-nos aquilo de que necessitamos, satisfaz nossos caprichos, suporta nossas impertinências e compreende nossas fraquezas, dizia Santa Teresa de Jesus: “Sendo pai, há de nos tolerar, por graves que sejam as ofensas. Se voltarmos para ele, como o filho pródigo, há de nos perdoar, há de nos consolar..., há de nos presentear, há de nos sustentar”. Se a palavra “Pai” nos fala do amor a Deus, a palavra “nosso” fala-nos do amor ao próximo. O Pai-nosso é a oração dos filhos e dos irmãos. Somente partindo do amor é que podemos recitar o Pai-nosso.

* ... que estás nos céus – esta parte nos dá a entender que Deus não está especificamente em um lugar material, mas Ele está além de tudo. Ou seja, nos dá a idéia da transcendência de Deus. Deus não está circunscrito a um lugar concreto. Está em todos os lugares como nos revela o salmo 139, 8-10: “ Se escalo o céu, aí tu estás; se me deito no abismo, aí estás. Se eu me transladar até a orla da aurora ou me instalar nos confins do mar, aí tua esquerda se apóia em mim e tua direita me agarra”. Está em nós mesmos, e sequer o vemos, porque é “o Deus escondido” (Is 45,15), que há de ser procurado e descoberto. E se não o descobrimos em nós mesmos, é porque não o descobrimos antes nos irmãos. Por esse motivo, somente rezaremos bem o “Pai nosso que estás nos céus”, se praticarmos o “Pai nosso que estás na terra: entre nós”. Deus está aqui, a nosso lado, não esta além das estrelas.
... Que estás nos céus
Conduz-nos pela mão e na obscura
solidão da noite te chamamos
e, sem saber teu nome, nomeamos-te,
perdidos entre o prazer e a amargura.
Não sabemos teu nome e sonhamos contigo,
mais íntimo a nós que a pura
transparência do ar, e a tua ternura
é nossa sede de amor quando choramos.
Se estamos assim perdidos, e a brisa
apenas murmura teu nome celeste,
tão suave como seda ou veludo,
Deixa que o homem grite em sua esperança,
como uma criança movida por teu sorriso,
Pai nosso, que habitas no céu. ( V. Sanchez Pinto).

* Santificado seja o vosso Nome – nesta passagem reconhecemos a Santidade de Deus, e queremos que todo mundo o trate de maneira santa, como o Único que santifica e que é Santo por natureza. Para isto devemos igualmente caminhar no sentido de nossa santificação, pois como Ele mesmo disse: “Sede santos, porque eu vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2). Jesus também nos comunica isto em outra passagem: “Sede, portanto, perfeitos como vosso Pai do céu é perfeito” (Mt 5,48).  Santificar o nome é reconhecer a Deus como criador do mundo e Senhor da história, reconhecê-lo e acatá-lo como o único Senhor soberano, cumprir o primeiro mandamento da lei, o direito de Deus a ser o “único”, direito absoluto, indeclinável, intangível, constitutivo da própria essência de Deus; por isso mesmo, direito sagrado, irrenunciável. O homem não pode construir para si outros deuses, porque esses não são deuses, são ídolos, ou seja, a vacuidade, o nada. O maior perigo para o homem é cair no nada, no vazio; ou, então, estar acorrentado por esses falsos deuses do dinheiro, consumismo, a vaidade e a morbidez que a sociedade apresenta à nossa adoração. Pedimos que o mundo tome consciência de que Deus é Deus de que não existe outro.

* Venha a nós o Vosso Reino – quando pedimos que venha o Reino, estamos pedindo algo que afeta substancialmente nosssas vidas, algo que interessa a nós, e não a Deus. Para Deus nada pedimos, porque, além do mais, ele não tem necessidade de nada; pedimo-lo para nós, para nossa felicidade temporal e eterna. Santo Agostinho dizia; “ ao fazer esse pedido, não rogamos por Deus, e sim por nós (pois dizemos ‘venha teu Reino’ no sentido de que Deus comece a reinar); direi, outrossim, que seremos nós seu Reino, se, crendo nele, tirarmos proveito dele. Todo os fiéis redimidos com o sangue do Unigênito serão o reino de Deus”.
“O Reino crescerá à medida que cada homem aprenda a dirigir-se a Deus como Pai, na intimidade da oração (Mt 23,9), e se esforce por cumprir sua vontade” (Rm 13).
O posto central da súplica pela ‘vinda do reinado’ do Pai, com relação às três primeiras súplicas de louvor, corresponde ao posto de destaque ocupado pela catequese sobre o Reino no vasto contexto literário do Sermão da Montanha e, em geral, de todo Evangelho de Mateus. Não de se estranhar, pois, que determine o significado não apenas da primeira e terceira súplicas, mas também das três últimas petições. Estas, com efeito rogam ao ‘Pai celestial’ por aqueles dons necessários (o pão cotidiano, o perdão das dívidas, a preservação de sucumbir à tentação e a libertação do ‘maligno’ tentador) para, na obediente e filial submissão à sua vontade, aceitar seu senhorio ou permitir que a eles ‘venha seu reinado’, com o que seu ‘nome’ é glorificado. A súplica pela ‘vinda do reinado’ constitui, pois, o foco central do Pai-nosso. Aqui pedimos que o Reino de Deus, à volta de Cristo, no fim dos tempos, venha mais rápido. Pois nesse momento a glória de Deus se manifestará a todos e os Justos verão a Sua Face. E da mesma forma que esperamos o fim dos tempos, tentamos realizar o Reino de Deus, pelo menos parcialmente, aqui na Terra; pois “o Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17).

* Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu – nesta passagem reconhecemos a superioridade da Vontade Divina e desejamos ardentemente que ela seja realizada. É importante ressaltar que devemos fazer este pedido com sinceridade e que realmente desejamos que Sua Vontade seja realizada em detrimento da nossa que é falha e nem sempre nos leva para o nosso bem. A Vontade de Deus é perfeita por mais que , às vezes, não compreendemos. A Vontade de Deus é que nos salvemos, por isso nos mandou seu Filho. E quer que amemos uns aos outros. Quer que amemos a Ele acima de todas as coisas e que obedeçamos aos seus mandamentos. Confiando na Vontade Divina e não na nossa encontraremos o verdadeiro sentido da vida e o Caminho da Verdade. Pois Jesus disse: “Eu sou o caminho a Verdade e a Vida”. Fazer a vontade de Deus não é anular a nossa vontade, mas fazê-la coincidir com a de Deus, identificar nosso querer com o seu, pois o Reino cresce na proporção em que cada um de nós vai unindo sua vontade à de Deus. Fazer a vontade de Deus é viver em harmonia, em paz e concórdia com os demais, em generosa comunicação de bens e sentimentos; é praticar a tolerância, saber conviver, aceitar os demais tal como são, amá-los do mesmo modo com que Deus nos ama a Todos. Um cristão crê no amor e entrega-se ao amor (1 Jo 4,16). Fazer a vontade de Deus é tornar-se propagador do mistério salvífico de Deus, a utopia da salvação universal, a transformação do mundo, a nova criação.
Quando se o que crê reza: ‘Seja feita a tua vontade’ há de ressoar em seu coração a trágica realidade de um mundo que de forma alguma se ajusta à vontade de Deus. Não podemos rezar esta prece no espírito de Cristo se, não rezá-la, não nos sentimos sacudidos pelo grito de milhares de homens, mulheres, jovens, crianças e idosos que vivem na humilhação, na miséria, no desespero, assediados pela injustiça, pela fome, pela violência, pelo ódio, pela vingança... . Todo esse rio de lágrimas deve desembocar em nossa oração. 

* O pão nosso de cada dia nos daí hoje – pedimos aqui com confiança filial, o alimento de cada dia. Pedimos que Deus nos dê o mínimo necessário para sobrevivermos dignamente, tanto bens materiais como espirituais. Basta que procuremos o Reino de Deus, e como diz Jesus, tudo o mais nos será dado em acréscimo. Disse isso para não nos preocuparmos excessivamente com as coisas deste mundo e com nosso sustento. Não que dizer com isso que devamos ser passivos e esperar que tudo caia de bandeja nas nossas mãos. Mas disse isto com o intuito de nos libertar da inquietação e preocupação. Este pedido também gera um compromisso com nossos irmãos necessitados, pois se queremos que se cumpra também devemos agir. 

* Perdoai as nossas ofensas assim como perdoamos a quem nos tem ofendido – neste pedido, confessamos que somos pecadores e apelamos para misericórdia divina. Jesus Cristo veio ao mundo e morreu para permitir que nossos pecados fossem perdoados. Ele nos deu a possibilidade do perdão das nossas inúmeras faltas. Mas faz uma exigência. Que nós também perdoemos aqueles que nos ofendam. É necessário esta reciprocidade. Esta é a única que exige uma resposta: para ser perdoado, temos que perdoar. O perdão produz amor, a tal ponto que o amor está relação direta com o perdão (Lc 7,36-49) Assim nos mandou fazer Jesus Cristo: “Sejam misericordiosos, como também o Pai de vocês é misericordioso” (Lc 6,36). É preciso perdoar de “coração” (Mt 18,35), perdoar e amar nossos devedores. Perdoar sem esquecer e sem amar, não é perdoar, é antes uma maldade, uma , mesquinhez e uma vilania.
...”suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos mutuamente, se alguém tem motivo de queixa contra o outro; como o Senhor vos perdoou, assim também fazei-vos” (Cl 3,13). 
* Não nos deixeis cair em tentação – este sexto pedido está ligado de certa forma ao anterior, pois para alcançarmos o perdão dos pecados, devemos nos arrepender e não querer pecar novamente. A misericórdia de Deus não atinge os duros de coração, pois estes não a deixam penetrar. Como nós somos fracos, pedimos a Deus-Pai a força necessária para não sucumbirmos à escravidão do pecado. Como dizia são Paulo: “ Tudo posso naquele que me fortalece”.  O homem tem que aprender a conviver com suas fraquezas e com suas quedas, saber perdoar a si mesmo, pois se Deus o perdoa, por que ele não perdoará a si mesmo?
A tentação é a prova da fé, como o é também da fraqueza humana. Nela o homem toma consciência de que, por si só e por suas próprias forças, a queda é inevitável. Orígenes dizia: “É preciso orar, não para deixar de ser tentados, o que é impossível, mas para não ser levados pela tentação”. 
* Mas livrai-nos do mal – este pedido é uma referência bem específica ao maligno. Jesus Cristo nos redimiu, isto é, libertou-nos de todo o mal. Livrar-nos do mal não pode significar outra coisa a não ser livrar-nos da escravidão. A vitória de Jesus Cristo sobre o mal e o maligno significa e ajuda o aniquilamento de todos os demônios. O Pai nosso implica o esforço e a luta pelo triunfo final do bem sobre o mal, do amor sobre o egoísmo, como meta que deve guiar nossos passos e nossas esperanças. Nesta petição final, pedimos a Deus que nos livre de todos os males, mas que não o deixe para o céu. Assim o fará, porque essa é a única maneira pela qual a libertação que Jesus Cristo realizou na terra seja realmente efetiva também na terra. Em certo sentido, esta última petição resume todas as súplicas anteriores, pois o nome de Deus somente pode ser santificado nos libertados do Maligno, mediante a vinda do seu reino, e com o cumprimento de sua vontade, somente eles podem receber o pão supersubstancial e o perdão; somente a eles é garantida a vitória na tentação. E isso significa: O Pai-nosso é a prece da libertação cristã, a prece radical e verdadeira libertação. No Pai-nosso, pedimos ao Senhor sete coisas. Todavia em contrapartida, ele também nos pede algo. Para que possa realizar essas sete coisas, e para que as possamos conduzir a um final feliz, ele nos pede apenas uma: que vivamos como irmãos e irmãs, que nos amemos como ele nos ama. 
* Amém – Significa “que assim seja”. Com esta expressão exprimimos o nosso Fiat (faça-se), nossa vontade que os sete pedidos sejam realizados, tudo isso, graças ao poder infinito da redenção de Cristo.

Pai...
Mãe...
De olhos mansos:
Sei que estás, invisível, em todas as coisas.
Que teu nome me seja doce,
A alegria do meu mundo.
Traze-nos as coisas boas em que tens prazer:
O jardim,
As fontes
As crianças,
O pão e o vinho,
Os gestos ternos,
As mãos desarmadas,
Os corpos abraçados...
Sei que desejas dar-me o meu desejo mais fundo,
Desejo que esqueci...
Mas tu não esqueces nunca.
Realiza pois o teu desejo para que eu possa rir.
Que o teu desejo se realize em nosso mundo, da mesma forma
como ele pulsa em ti.
Concede-nos contentamento nas alegrias de hoje:
O pão,
A água,
O sono...
Que sejamos livres da ansiedade.
Que nossos olhos sejam tão mansos para com os outros
Como os teus o são para conosco. Porque se formos ferozes
Não poderemos acolher a tua bondade.
E ajuda-nos para que não sejamos enganados pelos desejos
maus e livra-nos daquele que carrega a Morte dentro dos
próprios olhos.
Amém! (Rubens Alves)

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

HEERDT Mauri L., DE COPPI, Paulo. Pai Nosso! Uma reflexão teológica e pastoral sobre Deus Pai, 2ª Edição, 2003, Ed. Mundo e Missão.
NIETO, Evaristo Martín. Pai-Nosso, A oração da utopia, Paulinas, 2001.
LEPOUP, Jean-Yves. Livro das Bem-Aventuranças e do Pai-Nosso. Uma antropologia do desejo, Vozes, 2004.
ALVES,Rubens. Pai Nosso, Meditações, 8ª edição, Paulus, 2004.
SODER, José. Meditando o Pai-Nosso, Paulinas, 1989.
MAZZOLARI, Primo. Il Padre Nostro, Milano, Paoline, 1993.
GASPARINO, Andréa. Padre Nostro, Editrice elle di ci, 1996.
GALILEA, Segundo. A Amizade de Deus, Paulinas, 1998.
BOFF, Leonardo. A Trindade a Sociedade e a Libertação, Vozes, 1986.

Vocação e a formação franciscana



    Por frei Mauro Alves da Rosa
A formação franciscana é baseada no encontro pessoal com o Senhor e começa com o chamado de Deus e a decisão de responder a este chamado nos passos de São Francisco de Assis. Caminhar sobre as pegadas do Cristo, pobre e crucificado, como discípulo sob a ação do Espírito Santo.
A vocação franciscana é um processo contínuo, de crescimento e de conversão que compromete a vida de qualquer pessoa que se sinta chamada a fazer a experiência de São Francisco de Assis. Nesse processo, o vocacionado deverá crescer nas dimensões humana, cristã e franciscana. Quem se sente chamado a viver o franciscanismo deve desenvolver as dimensões humanas, cristãs e franciscanas, comprometendo-se com o espírito de oração, a devoção e a vivência em fraternidade e minoridade. 
O seguimento a Jesus Cristo, segundo a forma de vida de São Francisco, leva o franciscano ao compromisso com a Igreja e a colocar-se a serviço dos homens de nosso tempo como mensageiro da Paz e do Bem, estando junto aos pobres como o próprio Santo escreve em seu testamento:
1 O Senhor assim deu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: porque, como estava em pecados, parecia-me por demais amargo ver os leprosos. 2 E o próprio Senhor me levou para o meio deles, e fiz misericórdia com eles. 3 E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo converteu-se para mim em doçura da alma e do corpo; e depois parei um pouco e saí do século.[1]
O vocacionado franciscano deve ter em mente que, para seguir Jesus Cristo como frade menor, deverá se livrar de todas as amarras que o prendem, colocando-se à disposição de tomar a cruz e seguir o caminho. Não é um pedido de Francisco, mas de Jesus: "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo e tome a sua cruz e me siga" (Mt 16,24).  Assim como o próprio Jesus Cristo diz no Evangelho e depois Francisco assume para si e para seus frades: "Se queres ser perfeito, vai e vende tudo (cfr. Lc 18,22) que tens, e dá aos pobres e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me" (Mt 19,21)”[2].
O Franciscano, a exemplo de Francisco, propõe um novo tipo de ser humano, e este novo homem nasce a partir da experiência do vocacionado com Deus e com as criaturas, pois “Francisco foi e propôs um novo tipo de homem a partir da sua original experiência de Deus e do modo original de tratar com todos os seres. Francisco foi um homem estruturalmente "simpático" a Deus, a todos os outros homens e a todas as criaturas[3]”.  O pobre de Assis nos deu o exemplo que cativou e continua cativando muitos jovens.
1.      O exemplo de São Francisco de Assis
O seguimento de Jesus por Francisco de Assis esteve marcado pelo encontro com o crucificado em São Damião, pelo encontro com o leproso e na escuta do Evangelho. Podemos afirmar que essas três passagens formam o itinerário vocacional de Francisco, fazendo-o crescer em seu amor para com Jesus Cristo pobre e crucificado.
A forte experiência de Deus como Pai e Sumo Bem na vida de Francisco o leva a uma atitude de agradecimento e louvor ao Criador por suas criaturas: “1Vós sois santo, Senhor Deus único, que fazeis maravilhas (Sl 74,15). 2Vós sois forte, vós sois grande (cf. Sl 85, l0), vós sois altíssimo, vós sois rei onipotente, vós sois Pai Santo (Jo 17, 11)...[4]”.  Francisco se sente ligado, “irmanado” com todos os seres humanos e com todas as criaturas: “3 Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas (cfr. Tb 8,7),...[5]”. Francisco passa a denominar todas as criaturas como irmãos e irmãs porque todos têm o mesmo criador: Deus, o Sumo Bem.
O dom de Francisco foi começar a fazer penitência, pois foi o próprio Senhor quem o levou para o meio dos leprosos e, o que parecia amargo, torna Francisco um homem doce. O jovem Francisco abandona a visão de poder, do ter, do prestigio, uma vida centrada em si mesmo para estar livre em conformidade com Cristo.
O itinerário de Francisco de Assis é um exemplo para os vocacionados à vida franciscana e exemplo para a vida e para a formação dos frades do nosso tempo. Jovens que são chamados a viver e a percorrer o caminho já trilhado por Francisco: “1 Qualquer dos frades que, por divina inspiração, quiser ir entre os sarracenos e outros infiéis, peçam daí licença a seus ministros provinciais[6]”. Fiéis à missão de anunciar a Boa Nova a todas as Criaturas.
2.      Formação Franciscana
A formação é graça que vem do alto, Dom de Deus que é Pai, que é educador e formador. É um Deus formador que procura formar em nós a Imagem de Jesus Cristo[7]. O protagonista da formação franciscana é o Espírito Santo; o formando internaliza os valores da vida franciscana. Valores humanos e da vida cristã. A formação é a preparação total de si mesmo a Deus no seguimento de Jesus Cristo, a serviço da Missão[8].
O Papa João Paulo II alerta, no Documento Vita Consecrata, que: “a formação deverá atingir em profundidade a própria pessoa”[9], ou seja, a formação deve dar condições ao formando a internalizar os valores humanos, cristãos e da vida consagrada de tal modo que suas ações revelem o Amor de Deus. “Uma vez que a vida consagrada consiste na configuração com o Senhor Jesus e com sua oblação total[10]”, a formação para a vida franciscana ou para outra espiritualidade deve orientar para isso.
A formação franciscana é um processo dinâmico de crescimento em que o irmão abre o coração ao Evangelho no dia a dia, convertendo-se diariamente para Deus, uma conversão diária no seguimento de Jesus. Cada dia vivendo com mais fidelidade ao espírito de São Francisco. O processo formativo franciscano deve estar atento e valorizar os dons de cada irmão. Dons especiais que ajudem no seu crescimento pessoal e na busca da vontade de Deus.
O frade, em sua formação inicial ou permanente,
acolhe os socialmente enfermos, os ladrões, os salteadores, os leprosos, os pobres, os poderosos, os irrelevantes. Acolhe a criação inteira, não apenas com sentimentos de poeta, mas com entranhada amizade fraterna». Acolhe tudo e todos, mas acolhe, sobretudo os que não são acolhidos, assume as misérias humanas para transformá-las.”[11]
O lugar da formação Francisca se dá na fraternidade. Cada frade é formador, cada frade deve estar consciente que ele, como irmão mais velho, deve ajudar o irmão mais novo a caminhar com segurança o caminho que decidiu seguir. A fraternidade franciscana está inserida no mundo real. Assim sendo, a formação se dá na fraternidade e no real, onde o formando e os frades experimentam a graça de Deus, renovam no coração e na mente que o Senhor os consagra e os joga no mundo para nele serem testemunhas de Jesus Cristo, pobre e crucificado.
O tempo de formação, tanto inicial como pernamente, definitivamente devem estar atentos ao crescimento humano, cristão e franciscano. A formação deve nos mostrar que nós, franciscanos, entramos na dinâmica de Francisco de Assis, ou seja, da “vida em penitência”, de nos alegrarmos de estar com a gente simples e desprezível, com os fracos, com os doentes e os com os leprosos.


[1] Testamento de São Francisco de Assis.
[2] Regra Não Bulada número  1,2.
[3] Frei Miguel Negreiros, ofmcap; in Cadernos de Espiritualidade Franciscana, nº 2, pp. 38-44.

[4] São Francisco de Assis: Louvores de Deus Altíssimo; 1, 2.

[5] São Francisco de Assis: Cântico do Irmão Sol. 3.
[6] Regra Bulada; 12, 1.
[7] CENCINI, A. O Respiro da Vida: a Graça da Formação. São Paulo: Paulinas, 2004. P. 16
[8]  Vita Consecrata, número 65.
[9] Ibidem, 65.
[10] Ibidem, 65.
[11] In Cadernos de Espiritualidade Franciscana, n. 2, pp. 38-44.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

São Francisco de Assis o propagador da paz

Por ocasião  da festa de São Francisco de Assis, o Diretor da ESTEF - Frei Aldir Cróculi elaborou uma reflexão como o Santo de Assis vivia e abunciava a Paz. 

fonte: www.estef.edu.br

1. Dados que falam. No dia 26 de outubro de 1986, João Paulo II reunia os principais líderes religiosos do mundo, numa jornada de oração pela Paz. O local não foi Roma e sim Assis, pois diante deste personagem, todos se sentem acolhidos. Na entrada da cidade há uma grande placa com os dizeres: “Assisi città gemmelata di Betlemme”. Assis foi declarada cidade gêmea de Belém onde nasceu o príncipe da Paz.. Em Nova Deli, numa igreja católica, uma imagem em bronze de Francisco de Assis tem um pé afinado (desgastado) pelo toque das mãos das pessoas que desejam “sentir” Francisco, estar, de alguma forma, linkado nele. A imensa maioria dos que fazem este gesto é muçulmanos e não cristã. A oração “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz” é lembrada como a oração de São Francisco, embora tenha surgido apenas em 1912, na França, numa paróquia do clero diocesano. Ninguém sente dificuldade em admitir a autoria de Francisco pelo espírito ecumênico e de fraternidade. É um verdadeiro programa de construção da paz, em nível pessoal.
2. O envolvimento com a paz. Há uma face de Francisco pouco divulgada: seu envolvimento com a causa da paz. Não foi algo gratuito em sua vida. Na juventude aspirava ser cavaleiro (guerreiro) num contexto definido por Leclerc como “beligerante”. Experimentou concretamente o sabor amargo da guerra, na derrota contra Perúgia, somada a um ano de reclusão. Diz-se ter experimentado o “estresse pós-traumático” – distúrbio psicológico de quem vive momentos de forte e prolongada tensão, com risco de morte – e também experimentado “a culpa do sobrevivente” por ter recrutado muitos combatentes que acabaram mortos (era líder da juventude e seu pai, um dos líderes na libertação do ‘dominium” dos nobres). Seguir Francisco, para os primeiros seguidores, era “abraçar a missão da paz” ou o “legado da paz”, diz Celano (cf 1Cel 23,2). A opção, ainda do período da sua conversão, de saudar a todos com “o Senhor te dê a paz” Francisco reconhece como genuína “revelação” (CA 101,14-15). E expressava seu profundo engajamento em favor da paz. Quis incluí-la no testamento. Ao longo de sua vida, mesmo antes de ter fama de santo, faz intervenções em favor da paz. Em 1217 consegue restabelecer a paz na cidade de Arezzo, dominada por duas facções que se digladiavam (CA 108,24). Em 1219 Francisco parte com a V Cruzada para Damieta, no Egito, contra os muçulmanos. Lá desestimula os soldados a combater e, contra a vontade do cardeal Pelágio Galvan, vai conversar com o sultão. Não consegue acordo de paz (impossível), mas recebe um salvo conduto do mesmo que lhe permitiria transitar livremente pelos países islâmicos. Em 15.08.1222 restabelece a paz em Bolonha, onde “muitas famílias de nobres, entre as quais o furor desumano de antigas inimizades eclodira em muito derramamento de sangue, foram levadas de novo ao pacto de paz” (FF p. 1449). Tenta impedir, provavelmente em 1223, a eclosão de uma guerra civil em Perúgia, sua cidade inimiga, quando já doente e atravessando forte crise com sua fraternidade. Vai a Perúgia e prega na praça (2Cel 37, 1-16). No final de sua, a poucos meses da morte (4) consegue restabelecer a paz em sua cidade, demovendo os contendores: o podestá (prefeito) e o bispo (CA 84, 1-20).
3. Posturas de raiz. Francisco, para conseguir esse sucesso em favor da paz, assumiu duas posturas radicais (de raiz) pela paz – é claro, motivado pela fé: a) A primeira é o viver expropriado. Viver sem posses e sem poder (minoridade). Reconhecia que a apropriação e o poder levam em seu bojo o gérmen da violência. A pessoa que faz do poder um status acaba diminuindo os demais, de alguma forma, faz violência sobre eles. E quem se apropria de bens materiais passa a necessitar de defesas (armas) para sua defesa (LTC 35, 6-7). A “posse impede de muitas maneiras o amor a Deus e ao próximo”. b) A segunda postura é a de, reconhecendo a Deus como Pai bondoso, aceitar a verdade de que todas as criaturas são irmãs. Não interessam seus limites: são amadas por Deus, espelham algo da sua bondade. A sabedoria consiste em saber “conviver” com elas. A razão instrumental ocidental nos fez deturpar essa relação, colocando-nos acima ou sobre elas, ao invés de permanecer ao lado, junto com elas, compartilhando da mesma mesa do Pai na bela diversidade de iguais.
4. Comecemos de novo. Vivemos hoje cercados pela violência. Podemos estar alarmados com a violência explícita e quase incontrolável: são os traficantes, os roubos, os atentados e assaltos, a injustiça institucionalizada, etc. A sociedade clama pelo nosso engajamento em favor da paz. Omitir-nos seria insensibilidade demasiada. Podemos nos engajar de muitos modos: rezando pela paz, participando de marchas e campanhas de paz, fazendo uso da saudação da paz, participando de algum movimento de direitos humanos, denunciando as injustiças nos meios que estão ao nosso alcance, integrando os grupos de reconciliação que o governo está querendo implantar por perceber que o sistema penal é um fracasso na recuperação de quem cometeu algum crime, etc. Mas há também duas posturas radicais possíveis a todos nós: viver expropriado como nosso irmão Francisco e resgatar a fraternidade com todos e com tudo. São posturas de preço alto. Assumi-las não depende de outros fatores ou pessoas  a não ser da gente mesma, em qualquer posição ou cargo que se esteja. Tratar a todos como irmãos iguais é muito exigente. Sem expropriação e sem considerar que todos são “dom” de Deus Pai, torna-se meta inalcançável. Por isso “comecemos, irmãos, porque até agora em apenas pouco ou quase nada progredimos” (1Cel 103,6).

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Humanismo Franciscano e Ecologia

Frei Miguel Negreiros
É evidente que não vou tratar aqui do HUMANISMO como doutrina dos humanistas do Renascimento, nem vou tratar da Ecologia como tratado do meio ambiente. Aqui entende-se por Humanismo Franciscano a visão do homem e da mulher inspirados em S. Francisco e em Sta. Clara. Entende-se por Ecologia a visão e as atitudes dos franciscanos no relacionamento com a Irmã Mãe Natureza. Segundo José António Merino (José António Merino, Vision Franciscana de la Vida Quotidiana, Ediciones Paulinas, Madrid - 1986), em quem me inspirei para preparar esta conferência, poderemos sintetizar em 7 pontos a maneira como o homem, ao longo da história, se relaciona com o mundo: PÂNICO. ASSOMBRO. RESPEITO. RACIONALIZAÇÃO. DESENCANTO. EXPLORAÇÃO e finalmente REDESCOBERTA de que o mundo é a nossa CASA.
Neste trabalho tratarei de ver como deve ser o nosso relacionamento e comportamento com a Irmã Mãe Natureza, tendo em conta a nossa visão e a nossa experiência franciscana do que é ser homem. Como nos foi sugerido dividirei em três pontos a nossa reflexão:
- O homem como relação.
- O homem e o seu corpo.
- O homem e a natureza.
1. O homem como relação
A visão franciscana do homem é certamente original, comparada com as diversas interpretações humanistas ao longo da história. Francisco foi e propôs um novo tipo de homem a partir da sua original experiência de Deus e do modo original de tratar com todos os seres. Francisco foi um homem estruturalmente "simpático" a Deus, a todos os
outros homens e a todas as criaturas. Podemos dizer que a "simpatia" por tudo é a primeira nota constitutiva do homem Francisco, de espírito aberto e fraterno, que vive convive com tudo e com todos. Francisco é um especialista da arte de viver, pois consegue fazer a experiência de todas as formas de vida desde o nascimento até a morte. Ele nasce, sente, vive, ama, trabalha e morre em comunhão com Deus, com os homens e com o universo. Ele não fica a ver a procissão dos seres a passar, mas vemo-lo totalmente imerso no mais íntimo da vida de toda a criação, em marcha. Ele sintoniza, ele está em simpatia com todas as expressões ou formas de ser, pensar e de viver. A sua experiência de humanista está profundamente marcada pela PRESENÇA DE DEUS, que ele vê em tudo e em todos. Estremece de ternura, de admiração e de espanto ao surpreender em si e nos acontecimentos, na história, nos homens e em todas as coisas animadas ou inanimadas, sensíveis ou insensíveis, a PRESENÇA encantadora do maravilhoso Criador.
O homem não é rival dos homens nem dos seres da criação. É um irmão universal. Devido à sua estrutura ontológica e psicológica de simpatia por tudo e todos, e à sua abertura à PRESENÇA TOTAL, Francisco é e propõe um projecto de homem como um SER EM RELAÇÃO: em relação dinâmica com Deus, com os irmãos, com os demais homens, com os seres irracionais e a própria vida.
Para S. Boaventura e Duns Escoto, os teólogos franciscanos que melhor souberam traduzir, em pensamento, a forma de ser de Francisco, a relação é um constitutivo essencial da pessoa. No Humanismo Franciscano, a pessoa humana é um ser para outrem. É como um som que soa e ressoa em reciprocidade com todos os outros sons. Nesta relação vital, em que entram todas as vivências do espírito e do corpo, vencemse todos os egoísmos e distanciamentos. Sendo assim estruturalmente relacionado, o homem franciscano, a exemplo de S. Francisco, é um HOMEM CONFIANTE. Nunca pode desconfiar de ninguém e de nada. Se tudo quanto é mundano, humano e divino está em consonância com o homem, este não pode suspeitar mal de ninguém, nem fugir seja de quem for ou do que for. E como a confiança é sempre recíproca, há, entre o homem e a mulher franciscanos e os demais seres, uma verdadeira partilha de confiança. A confiança profunda e sem reticências traz consigo uma necessidade e um desejo de ENCONTRO. Tudo e todos se encontram em S. Francisco: Deus e toda a criação (homens e mulheres e habitantes do céu, da terra e do mar).
E para que este encontro seja sempre renovado, Francisco lança-se numa busca constante de novos horizontes cósmicos, humanos e divinos. Francisco avança de surpresa em surpresa, até à Beleza Infinita. Nada é estranho ao Humanismo Franciscano. Tudo lhe fala de afecto e de amizade. Por isso no Humanismo Franciscano não pode faltar a gratidão por tantos e tantos dons. Desde o encontro consigo mesmo até ao encontro com o Altíssimo, Omnipotente, Bom Senhor, Francisco vai experimentando todos os outros encontros desde os mais insignificantes, como o das pedras do caminho, até aos mais extasiantes, na estigmatização do Alverne.
No seu Itinerário para Deus, o Humanismo Franciscano celebra com alegria a festa de todos os encontros com todas as criaturas, que são outros tantos degraus para subir à montanha do Senhor. E dado que estes encontros do Humanismo Franciscano são radicalmente sinceros e plenos de verdade, têm forçosamente de desabrochar em ACOLHIMENTO. Por isso Francisco acolhe, com júbilo e gratidão, a revelação do amor de Deus e da amizade das criaturas. «Acolhe os socialmente enfermos, os ladrões,
os salteadores, os leprosos, os pobres, os poderosos, os irrelevantes. Acolhe a criação inteira, não apenas com sentimentos de poeta, mas com entranhada amizade fraterna». Acolhe tudo e todos, mas acolhe sobretudo os que não são acolhidos, assume as misérias humanas para as transformar. A sensibilidade e o acolhimento franciscanos, podem transformar, como diz António Merino "o universo do temor num universo de aproximação exultante". A consequência de todo este Humanismo Franciscano, no que se refere à Ecologia, é evidente: uma "irmanação universal".
O Humanismo Franciscano torna-se fraternidade cósmica e universal. A cortesia do Humanismo Franciscano, tão proverbial entre os homens, transforma-se também ela em
cortesia cósmica e em afabilidade para com todas as coisas. Para o Humanismo Franciscano todos os outros seres se revestem, de algum modo, da dignidade de pessoas. Não se pode estragar, ferir, ofender, conspurcar ou esbanjar nada, porque tudo faz parte do nosso ser humano. O ser humano, homem e mulher, tem de encontrar uma
nova forma de existir e de habitar num mundo mais humanizado e familiar. É urgente que nos revistamos de grande respeito e de extasiante admiração por todos os seres nossos irmãos. Antes de os conhecermos já os amámos, porque são parte integrante da nossa vida e componente necessária do nosso projecto de felicidade.
2. O Homem e o seu Corpo
O tema do corpo continua ainda hoje a ser um enigma incompreensível para o homem. Há quem o deprima e rebaixe à condição de "pesada mochila" que a alma tem de
suportar, e quem o exalte a ponto de o identificar com o "eu" humano, onde não há lugar para o espírito. Na história do pensamento sempre assistimos ao DUALISMO irredutível entre o espírito e a matéria. O corpo é matéria e a alma é espírito, de modo que o corpo e a alma estiveram sempre em conflito.
No franciscanismo, o tema do corpo também não está definitivamente elaborado. Quando os escritores não franciscanos aludem ao tema do corpo em S. Francisco, não vão muito mais além do que uma simples referência genérica ao «irmão corpo» e ao "irmão asno". No entanto, entrando em cheio nos Escritos de S. Francisco, a visão do corpo aparece-nos revestida de certa novidade e surpresa. É verdade que S. Francisco não disse muito acerca do corpo e o que disse tem de ser enquadrado na visão optimista
de toda a criação. No Capítulo 23 da I Regra, S. Francisco alude à criação do homem como imagem e semelhança de Deus, segundo a Visão Bíblica do Génesis. Mas é na Exortação V, onde aparece a visão mais bela e positiva do corpo. Diz S. Francisco: «ó homem, considera a quanta grandeza o Senhor te levantou, pois te criou dando-te um
corpo à Imagem do Seu Filho Dilecto, e dando-te um espírito à sua própria Semelhança. (Gén. 1,26)
Se o homem é Semelhança de Deus, deve-o ao espírito, e se é Imagem de Deus, deve-o ao corpo. Mas o corpo deve a sua dignidade de imagem de Deus por ser Imagem do Corpo de Cristo. Cristo é que é o modelo e a referência do homem, também no tocante ao corpo. A dignidade do corpo humano, para S. Francisco, não se reduz a um conteúdo físicobiológico. Mais: o corpo humano, criado à imagem do Filho, é para S. Francisco a memória e a recordação do corpo que a Palavra do Pai assumiu na Encarnação. A verdade humana do corpo assenta na verdade teológica do Corpo de Cristo. A grandeza do homem também se encontra no seu Corpo. A humanidade de Cristo revela a humanidade do homem. Como a Paixão de Cristo foi o modelo da paixão e das chagas do serafim do Alverne. S. Francisco não só se distancia dos hereges Cátaros, mas até de alguns grandes teólogos, como Santo Agostinho, uns e outros negativos e pessimistas em relação ao corpo. Os textos dos Escritos de S. Francisco que denotam um sentido negativo acerca do corpo, é preciso entendê-los tendo em conta que o corpo é assumido como inimigo da alma: "a carne", segundo a expressão de S. Paulo. É a esta luz que devemos interpretar algumas expressões, como esta: "odiemos o nosso corpo com os seus vícios e pecados, porque vivendo nós segundo a carne, quer o diabo roubar-nos o amor de Nosso Senhor Jesus Cristo e a vida eterna" (I Reg. 22,5). Ou então as mesmas expressões das Exortações: "devemos aborrecer os nossos corpos com seus vícios e pecados" (Ex.I,6;10,2;12,2.).Aqui não se trata do corpo enquanto tal, mas do corpo com seus vícios e pecados.
O crente Francisco não pode deixar de ver o corpo no horizonte da Criação, da Redenção e Ressurreição. O corpo, além disso, tem um valor cosmológico, ou seja, um valor de relação com o mundo, já que é através dele que o homem comunica com a criação. O homem do cântico das Criaturas tem uma perfeita consciência da sua corporeidade, pela qual confraterniza com todas as criaturas. A solidariedade cósmica só é possível através do Corpo.
Para S. Boaventura, alma e corpo não são duas realidades separadas mas complementares na unidade do ser humano. O corpo é a única possibilidade de a alma ter uma existência concreta e temporal. Ou seja: o corpo corresponde à vocação do homem à comunhão com todos os seres criados que existem no mundo. A própria existência do corpo, também ele micro-cosmos, é a afirmação da solidariedade e da fraternidade do homem com as outras criaturas.
Para Duns Escoto o corpo está em relação com a alma como a matéria está em relação com a forma e neste ponto é igual a S. Tomás e a toda a Escolástica. Mas vai mais longe e dá ao corpo uma perfeição chamada forma de corporeidade, pela qual mesmo sem a alma o corpo tem uma dignidade que não se pode reduzir a uma inter-acção físicoquímica. Isto é, o corpo mesmo sem alma é superior aos elementos físico-químicos de que é composto, e participa da dignidade do «eu».
Dessa dignidade do Corpo participam também todos os outros seres vivos e, por simpatia ontológica, todos os outros seres, mesmo inanimados. Esta visão global de Escoto dá a todas as criaturas uma dignidade que as faz participantes da própria dignidade do homem. Assim, através do corpo, a alma entra em comunhão com as coisas da natureza, e todos os seres da natureza entram em comunhão com o homem participando do seu valor espiritual. Daí que o relacionamento com o universo criado deve ser tão respeitoso como o relacionamento da alma com o Corpo. Assim como a alma precisa do corpo para conhecer e amar neste mundo, assim o corpo precisa das outras criaturas para ser instrumento e complemento da alma. O corpo humano, funcionando como condição da possibilidade de o homem ser homem no mundo da natureza, faz com que todos os seres da natureza participem da dignidade do homem, através do corpo. O corpo, através dos seus sentidos, tem uma relação estruturalmente relacional, não só com as pessoas mas também com todo o universo. Graças à vista, ao ouvido, ao olfacto, ao gosto e ao tacto o homem entra em contacto com todo um universo de experiências, de vivências e de comunicação.
Segundo S. Boaventura o homem, que é considerado micro-cosmos, tem cinco sentidos que são como cinco portas pelas quais entra na nossa alma o conhecimento de todas as coisas que existem no mundo sensível (Itin. C. 2, N. 3). A visão humanista do corpo da Escola Franciscana apela a que restituamos ao corpo a sua dignidade verdadeiramente humana e faz com que prestemos a todas as criaturas que com ele convivem o obséquio de um diálogo fraterno e amigo, que exclui toda a tentação de exploração e as promove à dignidade de fraternidade universal.
3. O Homem e a Natureza
Pelo seu corpo o homem está radicalmente em comunhão com a natureza. O homem não pode não estar em relação com os seres que o envolvem. A natureza ou o mundofazem parte do nosso ser humano e do nosso projecto de vida. Nós somos um ser no mundo. O ser humano e o mundo-natureza forçosamente estão em comunicação recíproca. A natureza constitui aquelas circunstâncias que integram o meu "eu" na expressão feliz de Ortega Y Gasset: "eu sou eu e as minhas circunstâncias". Podemos dizer que a vocação do ser humano é humanizar a natureza e deixar-se «mundanizar» ou "naturalizar" pela natureza, não no sentido moral vulgar mas no sentido cosmológico e psicológico. Temos de tomar consciência do nosso diálogo "eu-mundo" não só na dimensão exterior e objectiva, de duas realidades que estão frente a frente em reciprocidade existencial, mas também na dimensão interior e subjectiva, dando-nos conta que é todo o nosso ser - corpo e alma - que entra em comunhão com a natureza, para dar e receber. Entre o homem e a natureza pode e deve haver uma verdadeira harmonia de existência de vida. Para isso o homem não pode considerar a natureza só como um objecto, mais ou menos útil, mais ou menos necessário, mas tem de a aceitar como parte integrante do seu ser.
A natureza não está à frente de nós: vive connosco! Não é um instrumento ou objecto manejável, segundo o nosso capricho, mas uma dimensão essencial do nosso espaço vital. O homem torna-se vil e grosseiro e perde a sua nobreza de homem quando usa e abusa dos seres da natureza. Parafraseando S. Paulo, que afirmava que o marido que não ama a sua esposa peca contra o seu próprio corpo, podemos dizer: o homem que não ama mas ofende a natureza peca contra o seu próprio corpo. E porque o corpo está indissoluvelmente unido à alma, peca também contra a própria alma. Ou seja: ofender a natureza - poluindo-a, esbanjando-a, destruindo-a, - é um pecado em sentido ético e teológico. O homem não pode ser o rei despótico da criação mas o irmão universal, o grande irmão, o irmão mais velho de todos os homens, animais, plantas e coisas. A vida do homem sobre a terra tem sido difícil, ao longo da história e tem exigido muita luta para garantir a sobrevivência e o progresso da humanidade. Esta luta é legítima e podemos e devemos socorrer-nos da técnica para vencer os obstáculos que a própria natureza nos oferece. O mal está no exagero da ambição e da cobiça que levam os homens a criar, através da técnica, um mundo artificial, com grave prejuízo do mundo natural.
A técnica veio a criar uma outra natureza que embora materialmente ajude o homem no seu bem-estar, veio também separá-lo e desgarrá-lo da Irmã Mãe Natureza. No seu afã insaciável de domínio e de gozo, o homem deixou de contemplar o mundo da natureza para se entregar quase só à tarefa materialista e desumana da fabricação e da produção consumista. Com estes exageros da exploração desregrada da natureza, o homem quebrou a relação vital com a natureza e criou um desequilíbrio que lhe pode ser fatal. A natureza, porque é o prolongamento do próprio homem não pode ser só campo de ocupação mas também a CASA DE HABITAÇÃO.
Hoje assiste-se, em muitos lugares, ao assassínio da terra, ao que já se chama "terricídio". Quantos rios, mares, fontes, florestas, campos, cidades, alimentos e o próprio ar que respiramos estão a ser vítimas da sôfrega ambição do homem. O Humanismo Franciscano deve voltar-se para a Ecologia, e em nome do próprio homem, ou seja, da dignidade da pessoa humana, deve defender e promover a integridade, a beleza e o encanto da nossa casa comum que é o mundo, onde todos queremos habitar em paz, alimentar-nos racionalmente e vestir com a elegância das linhas e das cores da Irmã Mãe Natureza. Ao menos como os lírios do campo e as aves do céu!
Em síntese: o nosso relacionamento com a Natureza tem como princípio inspirador a fé num único Deus, que é a fonte de toda a criação e de toda a vida, donde procede o homem e a natureza. Não aceitamos o Dualismo do espírito e da matéria. O nosso relacionamento com a Natureza inspira-se também na relação do Espírito de Deus que se manifesta na Criação e nos faz respeitar valores superiores aos que o Positivismo descobre, na sua investigação puramente experimental. O nosso elacionamento com a Natureza, finalmente, inspira-se na Sabedoria Eterna do Divino Artista, donde procede toda a verdade, bondade e beleza das criaturas. Superamos todo o utilitarismo, pobre e redutor, da arvorada TECNOLOGIA em deusa do progresso e da felicidade humana. O nosso relacionamento com a Natureza é de simpatia, de admiração, de comunhão
celebrativa, de gratidão, sem domínio nem possessão, vendo, como num espelho, nos outros seres criados, mesmo irracionais, inanimados e insensíveis, o reflexo da sublime dignidade humana e da infinita Beleza de Deus.
in Cadernos de Espiritualidade Franciscana, nº 2, pp. 38-44.