As Clarissas encontram em Santa Clara de Assis (1194-1253) a sua mãe, mestra e fundadora. Seus escritos e suas palavras são uma herança riquíssima, um tesouro vivido e transmitido através dos séculos, em inúmeras fundações, e que possuem uma indiscutível atualidade. A marcante espiritualidade clariana exerce uma força de atração significativa em todos os continentes. Através da mística clariana e de seu caminho de espiritualidade compreendemos nossa missão como um serviço à Igreja. Somos “colaboradoras do próprio Deus e sustentáculo dos membros vacilantes de seu inefável Corpo”. Nossa vida claustral clariana continua o empenho de irradiar o testemunho da Pobreza, da vida orante e contemplativa, da sororidade e da clausura. Foi o que Clara, em seu tempo, irradiou com uma claridade nítida e visível. Nestes quatro elementos fundantes se articula toda a experiência humana e espiritual da Clarissa, hoje e sempre. A caminhada profético-mística de Clara lança luz e matizes sobre o caminho de espiritualidade da Clarissa, para o nosso hoje histórico, pleno de desafios rumo ao futuro. Temos consciência de que a vida contemplativa é vital para a Igreja e para a humanidade. A vocação contemplativa clariana se move dentro desta perspectiva de certeza e de fé. Uma fé que se sente responsável por fazer contínuas retomadas de seu vigor fontal, de sua raiz batismal e de sua caminhada no decorrer da história. Há momentos propícios para essa revisão enriquecedora, esse olhar retrospectivo, que pode ajudar a iluminar o que vem adiante. Quando comemoramos os 500 anos da presença franciscana no Brasil, as Clarissas, que são chamadas de II Ordem Franciscana, encontram seu espaço para dizer algo de seu fecundo avanço histórico e presença no Brasil. Além disso, para expressar a essência de sua caminhada e espiritualidade hoje. Tentaremos fazer a exposição, embora brevíssima, desses temas em duas partes. Primeiro, uma visão geral da presença e da história das Clarissas no Brasil. Em seguida, a espiritualidade clariana como fator de renovação, empenho e essencialidade na vida claustral da Clarissa hoje.
1. Uma visão histórica da presença clariana no Brasil
As
Clarissas, desde a fundação da Ordem em 1211, possuem uma interessante
característica missionária de estabelecer-se em lugares de fronteira e
de vanguarda. Assim ocorreu já nos inícios, com fundações em territórios
próximos dos muçulmanos, no Oriente Médio, onde muitas morreram
martirizadas. No século XVI, com a
descoberta das Américas, houve um intenso desejo de estabelecerem
fundações neste “Novo Mundo” recém encontrado pelos europeus. A primeira
fundação de Clarissas ocorreu nas Antilhas, em 1552, na Ilha de Santo
Domingo. Em seguida nasceram outros mosteiros de fundação espanhola no
Peru, México e Colômbia. Mais fundações acompanharam o processo de
colonização nos séculos seguintes. Algumas, com fatos muito originais,
como uma na cidade do México em 1724, que foi realizada por iniciativa
de um Cacique indígena, somente para acolher nativas indígenas e negras,
em contraposição aos demais mosteiros que não as aceitavam. Isto
representa um belíssimo momento de dignificação da psicologia indígena e
negra, que eram vítimas de preconceito na época da colonização.Dentre
as várias fundações clarianas na América Latina nestes séculos, o Brasil
acolhe a sua primeira fundação em 1677.
1.1. A primeira fundação brasileira
Ocorreu
na Bahia, na cidade de Salvador e recebeu o nome de Mosteiro do
Desterro. Existe por detrás desta fundação um contexto social, político e
econômico. As jovens nascidas na Colônia, ao serem destinadas à vida
religiosa por sua opção ou por decisão familiar, eram obrigadas a
ingressar em mosteiros portugueses. Numa época de crise para os senhores
de engenho, com a concorrência do açúcar do Caribe, era difícil assumir
as despesas necessárias para enviá-las a Portugal. Isso significava
empobrecer a Colônia e, além disso, a viagem era perigosa, levando-se em
consideração o assalto de piratas e os perigos de naufrágio. A Câmara
de Salvador e os nobres empenharam então esforços para obter a fundação
de um mosteiro feminino. O pedido foi feito à Coroa portuguesa em 1664.
Depois de inúmeras vicissitudes históricas,
somente em 1677, no dia 9 de maio, chegaram a Salvador quatro Clarissas
Urbanistas do Mosteiro de Évora, Portugal. Por mais de setenta anos,
este foi o único mosteiro reconhecido na Colônia. O objetivo das
fundadoras era implantar a vida clariana no Mosteiro do Desterro,
segundo a Regra de Urbano IV (1263), dar formação às noviças brasileiras
e dirigir a comunidade nos primeiros anos; depois retornariam ao seu
local de origem. Foi o que realmente aconteceu em 1687, dez anos depois
de sua chegada. Consta que as clarissas fundadoras foram de um
idealismo, santidade e vida bastante exemplares. Foi louvável seu
espírito de abnegação e seu zelo. No início não puderam receber noviças,
enfrentaram sérias dificuldades com a construção do mosteiro e
necessidades materiais. Porém, nos anos seguintes, ingressaram muitas
noviças e a fundação foi se consolidando. À partida das fundadoras,
assumiu o serviço de abadessa a primeira brasileira, Irmã Marta de
Cristo. Neste período, o número de irmãs chegou a cinquenta, além das
vinte e cinco noviças e outras irmãs “conversas”. Segundo a mentalidade
da época, o mosteiro manteve um regime de classes: coristas, conversas,
recolhidas e escravas (ou servas pessoais das irmãs). Em 1764, por
exemplo, havia noventa e quatro coristas, uma noviça, vinte e três
recolhidas; em 1779: setenta e cinco irmãs, quatrocentas escravas
e criadas. Isso fez decair enormemente a vida religiosa no mosteiro. O
Bispo, nesta época, chegou a proibir o uso de ouro e prata para o adorno
das escravas ou servas das irmãs. Isto tudo, apesar das determinações
inicias para a fundação dadas pelo Papa Clemente IX em 1669, que
limitava o número de irmãs para cinquenta e o número de criadas para
quinze, ficando proibida a entrada de escravas para o serviço particular
de cada irmã. Entretanto, apesar desta decadência do verdadeiro
espírito cristão e clariano, do contratestemunho de pobreza evangélica,
nos dois séculos de existência desta fundação destacaram-se algumas
irmãs por seu exemplo de santidade. Entre elas, a Venerável Vitória da
Encarnação, baiana, cujo processo de canonização está em andamento. Ela
dispensou o serviço da escrava, viveu em grande despojamento e espírito
de serviço, elevando a vivência espiritual do mosteiro, especialmente no
período em que foi abadessa. Nos últimos dois séculos, um fenômeno
social de tendências anti-religiosas, que tentava suprimir aos poucos a
vida claustral, proibindo o ingresso de novos membros, veio agravar a
situação da primeira fundação brasileira. Após a proibição de novos
ingressos na vida religiosa, decretada para Portugal e a Colônia pelo
Marquês de Pombal, o número de irmãs no Mosteiro do Desterro foi
decrescendo. No início do século XX foram feitos esforços para a
comunidade não se extinguir. Na época só restavam três irmãs bastante
idosas, a madre era inválida e doente. Elas pediam que viessem Clarissas
de outro país ou que alguma Congregação religiosa assumisse o mosteiro.
Foi assim que as Irmãs da Pequena Família do Sagrado Coração
consolidaram no local sua obra de assistência e educação cristã. Parte
do prédio é patrimônio histórico, onde se conservam as relíquias da
Venerável Madre Vitória da Encarnação, os documentos históricos e
crônicas da fundação e um museu com riquíssimos objetos religiosos da
época colonial, que pertenceram ao mosteiro.
1.2. No século XX, um fecundo reflorescer
Após
a extinção do Mosteiro do Desterro, as Clarissas iriam consolidar
novamente a sua presença em terras brasileiras, somente em 1928, através
da fundação do Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos, no Rio de Janeiro. As
irmãs fundadoras, em número de oito, provinham do Mosteiro de
Düsseldorf, Alemanha. Em sua história, tem marcado uma presença fecunda
em novas fundações. Somente mais de vinte anos depois desta nova
implantação clariana, é que iria surgir, em 1950, o Mosteiro de Santa
Clara de Campina Grande, Paraíba, com irmãs de Cleveland - EUA. No mesmo
ano, o Mosteiro do Rio de Janeiro realizava a sua primeira fundação em
Belo Horizonte. Poucos anos depois, Clarissas de Gand, Bélgica, realizam
uma nova fundação em Porto Alegre (1953). Dez anos se passaram, até o
surgimento da quinta fundação deste século. As Clarissas fundadoras
provinham da Federação Santíssimo Nome, dos Estados Unidos, e ocorreu em
Anápolis, Goiás. Está fundação foi assumida e continuada a partir de
1987 pelas irmãs do Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos e é, atualmente, um
dos mosteiros do Brasil onde há maior ingresso de vocacionadas, vindas
sobretudo de Brasília. Em 1964, é a vez da segunda fundação filial do
Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos, que implanta o primeiro mosteiro
contemplativo em Santa Catarina, na diocese de Tubarão, em Forquilhinha.
Em 1977 esta fundação seria transferida, por diversos fatores, para a
cidade de Lages, no planalto catarinense. O Mosteiro Santa Clara, de
Belo Horizonte, em 1970, realizou sua primeira fundação em Araruama, no
Rio de Janeiro, que foi posteriormente assumida pelas Clarissas de
Campina Grande (1984). Em 1977, chegaram ao Brasil as primeiras
Clarissas Capuchinhas, provenientes de alguns mosteiros da Itália,
sobretudo de Veneza-Mestre. A fundação tornou-se realidade na região
serrana do Rio Grande do sul, em Flores da Cunha. A terceira fundação do
Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos ocorreu em 1984, no interior do sertão
nordestino, em Caicó, Rio Grande do Norte. Ali já ingressaram muitas
jovens irmãs no decorrer desses anos. Em 1985, foi fundado o Mosteiro
Monte Alverne, em Uberlândia, Minas Gerais, pela comunidade de Clarissas
de Belo Horizonte. E no ano seguinte (1986) as Clarissas portuguesas da
Ilha da Madeira realizam
a fundação do Mosteiro Santa Clara de Nova Iguaçu, na Baixada
Fluminense. As duas mais recentes fundações ocorreram nesta década de
90. Trata-se do Mosteiro Santíssima Trindade, fundado em Colatina,
Espírito Santo, pelas Clarissas de Belo Horizonte, em sua terceira
experiência de fundação. E a última, realizada na cidade de Canindé,
Ceará, durante o ano comemorativo do 8º centenário de nascimento de
Santa Clara (1994), com Clarissas de Campina Grande, que já inauguraram o
seu mosteiro definitivo. Destaca-se especialmente que todas as
fundações clarianas implantadas neste século no Brasil, têm a Regra
própria de Santa Clara como base de sua vivência e possuem as mesmas
Constituições Gerais aprovadas por João Paulo II em 1988, com exceção
das Clarissas Capuchinhas, que observam Constituições próprias. Todos os
mosteiros, exceto o de Capuchinhas (que pertence a uma federação
italiana) são federados desde 1989. As federações de mosteiros tem por
objetivo a ajuda recíproca, material e espiritual, especialmente na
formação, o intercâmbio de experiências e de vida. A Federação Sagrada
Família de Clarissas no Brasil é representada atualmente por Madre Maria
Coleta, Abadessa Federal, residente no Mosteiro São Damião de Porto
Alegre, já em seu segundo sexênio de serviço às Clarissas. O número de
vocações tem
aumentado consideravelmente nos últimos vinte anos, de modo particular
em algumas regiões, como o nordeste, centro e sudeste. O sul tem tido
menos número de ingressos. Entretanto, as fundações manifestam um
reflorescer fecundo da vida clariana, com sinais evidentes e irradiantes
de experiências vitais, que desejam ao máximo aproximar-se da vivência
fontal de Clara e das primeiras Clarissas do Mosteiro de São Damião, de
Assis.
2. Espiritualidade e vida das clarissas hoje
Atualmente,
as Clarissas brasileiras empenham-se no sentido de aprofundar a sua
vivência e espiritualidade clariana. É um esforço conjunto de mais de
uma centena de irmãs, cada mosteiro ao seu modo, para avançar num
caminho de
renovação, de retorno às fontes, de aprofundamento da originalidade da
contemplação e da mística clariana. Os mosteiros apresentam-se como
“sinal forte” que atrai, que questiona, que fascina. As pessoas das
cidades e mesmo das regiões onde se encontram os mosteiros, comumente os
frequentam como um oásis de paz e de oração. Costumam interessar-se
pela vida das irmãs, vir rezar com elas, divulgar seu estilo de vida. A
Clarissa busca, através de sua formação e de sua vivência, aprender a
ser verdadeiramente humana e cristã. O ponto de partida de nossa
espiritualidade é o encontro pessoal com a humanidade de Jesus Cristo
“Pobre e Crucificado”. Fazendo do Jesus histórico e do Evangelho o
“espelho” do seguimento, colocamo-nos na estrada dura e concreta de um
cristianismo encarnado, na dimensão do discipulado e do seguimento.
Tentaremos expor, embora de forma breve, os aspectos essenciais da
espiritualidade clariana, que fundamentam e caracterizam toda a vida das
Clarissas em seu caminho de renovação e de resposta evangélica ao chamado de Deus.
2.1. Vida orante e contemplativa
As
Clarissas, no seio da Igreja, têm a missão de ser a pulsação orante da
vida eclesial e, em vista disso, se empenham para dar solidez ao caminho
de oração e contemplação, através do contínuo confronto com a pessoa de
Jesus Cristo. Um mosteiro clariano irradia sempre um forte clima de
espiritualidade e oração. Hoje, sobretudo, os jovens têm sede de boa
espiritualidade e precisam ser acolhidos e instruídos. As vocacionadas
recebem um acompanhamento especial. As Clarissas fazem a experiência de
deixar-se amar por Deus no cotidiano de sua vida simples e despojada. A
meditação, o deixar-se iluminar pelo Evangelho, pela Igreja, por Clara e
Francisco, vão firmando a linha de espiritualidade que dá às irmãs a prontidão para responder à graça. É através
do “olha, considera e contempla, deseja seguir e imitar” que a Clarissa
se volta inteiramente ao Cristo Pobre e Crucificado, penetrando no
mistério da contemplação e da mística. Há elementos fundamentais de
renovação nas comunidades, entre eles, a sincera e autêntica busca da
dimensão contemplativa numa fundamentada preparação teológica, bíblica e
mística. A liturgia, como lugar e modo de celebração, onde as pessoas
possam ter a condição de acompanhar e participar; a espiritualidade e a
experiência contemplativa como uma força e uma maneira de irradiar o
nosso carisma e a experiência da contemplação de Cristo no monte.
2.2. A sororidade
Outro
elemento fundamental de renovação atualmente é o próprio estilo de vida
sororal (= de irmãs) nos mosteiros. Há tentativa de aproximar-se sempre
mais de Clara e de Francisco, que se caracterizam por um modo cortês
típico de relacionar-se com as irmãs e os irmãos. Cortês no
relacionamento, na pedagogia, no educar e corrigir, no serviço, na
solicitude, no respeito. Uma sororidade clariana realmente autêntica
procura ser reflexo da comunhão que é a Igreja, por sua vez reflexo da
própria comunhão trinitária. A sororidade é graça e bênção, onde se
expandem os dons da simplicidade, alegria, amor e doação, humildade e
solidariedade.
2.3. Pobreza e liberdade
A
Pobreza, no caminho espiritual de Clara, é um elemento essencial e
significa seguir o Filho de Deus que se fez pobre. É uma pobreza que
liberta, despoja do supérfluo e do não essencial, abre para Deus. É uma
pobreza fecunda, porque lança na fé e na confiança. A pobreza de clara
conduz a um esvaziamento que é plenitude , pois abre espaço para acolher
e gerar Cristo para o mundo.É também uma característica original e
profética, na dimensão do nada possuir materialmente, que questiona continuamente e coloca as Clarissas no caminho de uma mística de “peregrinas e estrangeiras”, em ardente busca do Deus vivo.
2.4. Clausura, lugar da revelação de deus
A
clausura é para as Clarissas o lugar da revelação de Deus, a terra
prometida onde entram na posse da herança: viver com o Senhor, ser dele,
relacionar-se face a face com Ele. O chamado a entrar num claustro
clariano é um convite a penetrar no terreno da revelação de Deus, no “Jardim fechado” (Ct 4,12) onde Ele se
manifesta na experiência místico-contemplativa. As relações normais que
as Clarissas mantêm com o exterior do mosteiro, através da
correspondência, do telefone e locutório, o contato com padres e
religiosos, com grupos da paróquia e com pessoas diversas alarga a
irradiação silenciosa da vida contemplativa e atrai outros ao seguimento
de Jesus Cristo. O serviço do locutório é um serviço de escuta e
misericórdia, acolhimento solícito, acompanhamento e orientação. A
experiência da revelação de Deus se expande na solicitude de uma
abertura ampla, eclesial. A Clarissa, em sua clausura, abraça o mundo.
“O nosso claustro é o mundo”, dizia São Francisco.
Conclusão
Para
estas colocações seria necessário alongar-se ainda muito. O objetivo
não permite realmente ir adiante. São estas , portanto, como que linhas
gerais, apenas pinceladas sobre a história das Clarissas no Brasil e seu
empenho de vida hoje. O importante mesmo é perceber a dinâmica ação do
Espírito Santo na vida das Clarissas, característica de toda a sua
história, nestes quase oito séculos de fundação. Atuação que nos faz
assumir sempre mais conscientes a nossa missão específica no seio da
Igreja, na história deste continente latino-americano e neste país. A
Clarissa é chamada, acima de tudo, a viver o amor de unidade e a prestar
o serviço da oração e da intercessão, como uma irradiação que salva e
recria, a partir de seu ser em Deus. Os mosteiros são sementeiras de
vida espiritual, que oferecem o vigor de rebentos novos e renovados de
vivência no
Espírito. As Clarissas desejam permanecer abertas ao diálogo, à
renovação, à reconstrução da dimensão contemplativa. Desejam viver o seu
primeiro e fundamental apostolado, o de ser Igreja, de viver e ser
comunhão na Igreja, de realizar sua missão na Igreja.
fonte: http://clarissasclarissas.blogspot.com.br/2010/10/clarissas-no-brasil.html