Todos
nós conhecemos a famosa passagem de I Fioretti que marca o encontro de
São Francisco com o lobo. A partir desse pequeno texto, não quero aqui
fazer uma análise exegética. Tal como ele está em português, proponho
uma interpretação que ajude a elucidar a dinâmica do encontro. Um olhar
que ilumine nossa postura diante do diferente de nós, do outro.
Um paradigma para o diálogo
O texto conta que São Francisco estando em Gubio, ficou sabendo de um
lobo que estava tirando a paz do lugarejo, de forma que todos os
habitantes tinham medo de sair da cidade. O diferente, nesse caso o
lobo, causa medo, assusta e provoca pânico. Sendo assim causa um
problema social atrapalhando a vida desse grupo, já que não sabem como
lidar com isso.
Francisco toma conhecimento da situação e não começa a agir
imediatamente a partir das informações que recebe dos outros. Ele quer
conhecer o outro lado da história. Ter clareza da situação. Equilibrar
as coisas. Nada melhor que conhecer a história a partir do lobo também.
No primeiro momento, Francisco toma a decisão de sair ao seu
encontro, como nos narra o texto: “ quis sair ao encontro do lobo” e não
esperar que ele venha a si, mas se propõe a sair de si, do seu local e
ir até a situação do “outro”, se dispõe ao encontro. Não com critérios
pré-estabelecidos, nem impondo condições, mas está disposto a encontrar o
outro, como ele é, no estado e condição em que o outro se encontra.
Agir assim é não se prender a auto-suficiência, ou se colocar como
alguém de grau superior, mas, “ pondo toda a sua confiança em Deus”.
Colocar-se em atitude de reciprocidade e abertura, confiando em Deus e
se lançar. Francisco, “tomou o caminho que levava ao outro lado”. Toma a
iniciativa, sai do seu lugar e vai ao encontro.
Por mais diferente que o outro seja, e mesmo que não saibamos as
disposições e intenções dele é necessário partir desarmado para o
encontro. A iniciativa deve partir de mim de aproximar-me dele como
irmão. Não importa como, nem quem seja. Eu opto tornar-me irmão dele, “
chamou a si e disse lhe assim: Vem cá, irmão lobo, ordeno-te da parte de
Cristo que não faças mal a ninguém”.
No decorrer da história, Francisco se refere ao lobo sempre como a um
irmão. Toma conhecimento das realidades vividas por esse irmão e as
compreende, intuindo que as situações forçam esse irmão a agir daquela
maneira.
O agressor é tão vítima quanto às vítimas que ele faz. Na verdade, a
iniciativa de atacar é só uma estratégia para se defender. Quem tenta se
mostrar forte provocando medo e coagindo, no fundo só está mostrando a
sua fraqueza.
Para isso se recorre a uma máscara, a um cargo, e a tantas outras
estratégias de se mostrar imbatível para não assumir seu medo e
fragilidade. Ao partir da violência, o ser só mostra o quanto debilitado
está. Às vezes, essa agressividade é somente um pedido de socorro.
Quando Francisco o encontra, o lobo também se deixa encontrar. Aquele
está oferecendo a este irmão a chance de reconhecer seu estado.
Após compreender a situação, o próximo passo é propor uma aliança. Do
encontro brota o laço de amizade, a cumplicidade, um pacto, uma
proposta de paz e fraternidade. O outro acolhido se reconhece como tal
se deixa cativar e se aceita como irmão. Assume essa cumplicidade
respondendo como um irmão. Acontece um equilíbrio das relações de
maneira a estabelecer um relacionamento de fraternidade e amizade.
Um relacionamento em disparidade, quando uma parte se sente
sócio-econômica, hierárquica, intelectualmente ou num grau de santidade
mais elevado é impossível acontecer um relacionamento fraterno.
Enquanto uma das partes é inferior não está acontecendo a
fraternidade. Só posso criar laços com o igual. Entenda-se, não no
sentido de relativizar as individualidades. Todos nós somos diferentes.
Mas, é impossível estabelecer laços fraternos, se me julgo superior ou
inferior aos outros. Isso tanto no caso das pessoas como das religiões.
Se me sinto o único portador da verdade absoluta e vejo a fé dos outros
como “superstição”, jamais poderemos ser irmãos.
A mania de “ser superior” mata todo diálogo, o crescimento e a
alteridade. A tendência do que se julga superior é normatizar tudo de
modo que o seu conceito de verdade seja o único válido e seus princípios
sejam aplicados a todos. Sendo as regras que regem o jogo são
unicamente as suas.
Partindo dessa pequena reflexão temos alguns pontos que seriam
importantes para aprofundar. Podemos dizer que seriam os 10 mandamentos
do encontro:
1- A disposição de ir ao encontro do outro,
ignorando os pressupostos e preconceitos adquiridos. Conhecer o outro a
partir dele e não de idéias pré-concebidas, ou do que outros disseram.
2- A coragem de se desarmar para o encontro. Tirar a armadura.
3- Colocar-se no lugar do outro e procurar compreendê-lo, no seu contexto vital, entendendo por que age de determinada maneira. Calçar as sandálias do outro, pisar o mesmo chão.
4- Confiar na Paternidade de Deus e sentir-se irmão.
5- Tomar a iniciativa de ir ao outro como irmão. Não se importando com a reação e a disposição do outro. Vencendo assim suas resistências.
6- Colocar-se na atitude de acalanto, acolher o outro, aceitá-lo incondicionalmente como ele é.
7- Ter a disposição de ouvir o outro. Deixando que o outro seja o outro e não um espelho de minhas projeções.
8- Ter coragem de criar laços libertadores; relações de amizade e fraternidade.
9- Partindo do encontro, fazer uma proposta de um caminho juntos que transformem as relações.
10- Dar ao outro o direito de aceitar ou não as proposições.
2- A coragem de se desarmar para o encontro. Tirar a armadura.
3- Colocar-se no lugar do outro e procurar compreendê-lo, no seu contexto vital, entendendo por que age de determinada maneira. Calçar as sandálias do outro, pisar o mesmo chão.
4- Confiar na Paternidade de Deus e sentir-se irmão.
5- Tomar a iniciativa de ir ao outro como irmão. Não se importando com a reação e a disposição do outro. Vencendo assim suas resistências.
6- Colocar-se na atitude de acalanto, acolher o outro, aceitá-lo incondicionalmente como ele é.
7- Ter a disposição de ouvir o outro. Deixando que o outro seja o outro e não um espelho de minhas projeções.
8- Ter coragem de criar laços libertadores; relações de amizade e fraternidade.
9- Partindo do encontro, fazer uma proposta de um caminho juntos que transformem as relações.
10- Dar ao outro o direito de aceitar ou não as proposições.
O tema do encontro é extremamente sério em nossa época. Os laços, as
relações estão quebradas e na Vida Religiosa, também por estar inserida
no mundo, recebe vários “contra-valores”, e podemos citar o afrouxamento
das relações entre eles. Tudo isso nos leva a questionarmos, fazermos
velhas perguntas que achamos banais, já nos fizemos, mas não devemos
cansar de fazê-las: Como nos relacionamos com nosso corpo, com nossas
emoções, com o irmão, seja ele mais velho ou mais novo, e com Deus? Será
que estou atento ao meu leque de relações? De fato, me encontro e me
deixo encontrar? Quero me encontrar? Estou atento as minhas relações
cotidianas? Quando me relaciono seja em casa, seja na pastoral tenho
consciência que comunico o meu ser aos outros?
Nossa contribuição ao Reino de Deus deve ser expressiva
principalmente pelo nosso testemunho, ser simplesmente alguém que é
sinal do Reino, não por feitos extraordinários, mas com a minha vida.
Evangelizo com minha alegria? Eu me coloco como “Dom de Deus” para o
irmão e reconheço nele esse dom?
Na verdade, esse tema do encontro, do diálogo, do relacionamento, da
fraternidade não tem conclusão. Tem dia marcado pra começar, para acabar
jamais, não devemos nos preocupar com o fim do caminho o importante é
curtir o trajeto admirar a paisagem, estar em constante atenção diante
da vida e do outro. Estar se adaptando, questionando, e como diz Santo
Agostinho, estar com o coração inquieto. Cuidando com especial atenção e
tudo o mais dependerá disso e como nos propõe Francisco, sempre
recomeçando, pouco fizemos.
fonte: http://www.centrofranciscano.org.br/2012-06-11-20-08-03/franciscanos/83-o-encontro-de-sao-francisco-e-o-lobo-fr-emerson-ap-rodrigues-ofmcap
Frei Emerson Aparecido Rodrigues.
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