Leonardo
Boff

Clara junto com Francisco - nunca
devemos separá-los, pois se haviam prometido, em seu puro amor, que "nunca
mais se separariam” segundo a bela legenda época - representa uma das figuras
mais luminosas da Cristandade. É bom lembrá-la neste mês de março, dedicado às
mulheres. Por causa dela, há milhões de Claras e Maria Claras no mundo inteiro.
Ela, de família nobre de Assis, dos Favarone, e ele, filho de um rico e
afluente mercador de tecidos, dos Bernardone.
Com 16 anos de idade quis conhecer o
então já famoso Francisco com cerca de 30 anos. Bona, sua amiga íntima conta,
sob juramento nas atas de canonização, que entre 1210 e 1212, Clara "foi
muitas vezes conversar com Francisco, secretamente, para não ser vista pelos
parentes e para evitar maledicências”. Destes dois anos de encontro nasceu
grande fascínio um pelo outro. Como comenta um de seus melhores pesquisadores,
o suíço Anton Rotzetter em seu livro Clara de Assis: a primeira mulher
franciscana (Vozes 1994): "neles irrompeu o Eros no seu sentido mais
próprio e profundo, pois sem o Eros nada existe que tenha valor, nem ciência,
nem arte, nem religião, Eros que é a fascinação que impele o ser humano para o
outro e que o liberta da prisão de si mesmo”(p. 63). Esse Eros fez com que
ambos se amassem e se cuidassem mutuamente, mas numa transfiguração espiritual
que impediu que se fechassem sobre si mesmos. Francisco afetuosamente a chamava
de a "minha Plantinha”.
Três paixões cultivaram juntos ao longo
de toda vida: a paixão pelo Jesus pobre,
a paixão pelos pobres e a paixão um pelo outro. Mas nesta ordem. Combinaram
então a fuga de Clara para unir-se ao seu grupo que queria viver o evangelho
puro e simples.
A cena não tem nada a perder em
criatividade, ousadia e beleza, das melhores cenas de amor dos grandes romances
ou filmes. Como poderia uma jovem rica e bela fugir de casa para se unir a um
grupo parecido com aos "hippies” de hoje? Pois assim devemos representar o
movimento inicial de Francisco. Era um grupo de jovens ricos, vivendo em festas
e serenatas que resolveram fazer uma opção de total despojamento e rigorosa
pobreza nos passos de Jesus pobre. Não queriam fazer caridade para pobres, mas
viver com eles e como eles. E o fizeram num espírito de grande jovialidade, sem
sequer criticar a opulenta Igreja dos Papas.
Na noite do dia de 19 de março, Clara,
escondida, fugiu de casa e chegou à Porciúncula. Entre luzes bruxoleantes,
Francisco e os companheiros a receberam festivamente. E em sinal de sua
incorporação ao grupo, Francisco lhe cortou os belos cabelos louros. Em
seguida, Clara foi vestida com as roupas dos pobres, não tingidas, mais um saco
que um vestido. Depois da alegria e das muitas orações foi levada para dormir
no convento das beneditinas a 4 km de Assis. 16 dias após, sua irmã mais nova,
Inês, também fugiu e se uniu à irmã. A família Favarone tentou, até com
violência, retirar as filhas. Mas Clara se agarrou às toalhas do altar, mostrou
a cabeça raspada e impediu que a levassem. O mesmo destemor mostrou quando o
Papa Inocêncio III não quis aprovar o voto de pobreza absoluta. Lutou tanto até
que o Papa enfim consentisse. Assim nasceu a Ordem das Clarissas.
Seu corpo intacto depois de 800 anos comprova, uma vez mais, que o amor
é mais forte que a morte