domingo, 31 de julho de 2011

Ecoespiritualidade na Vida Religiosa Consagrada


18/06/2011
 Ir. Mercedes Lopes MJC
 Mais do que nunca, os últimos desastres naturais sinalizam a urgência de uma mudança em nossa maneira de viver como seres humanos, como imagem e semelhança de Deus, como pessoas consagradas, discípulos e discípulas de Jesus, no hoje da história. Para isso, necessitamos uma espiritualidade mais ampla e profunda, que nos ajude a contemplar o universo como a casa de todos. Uma espiritualidade que nos possibilite a abertura necessária para poder aprender a conviver com os mais de seis bilhões de seres humanos que habitam o planeta Terra e com os dez bilhões de espécies que a compõem, sem perder o foco do discipulado de Jesus. Viver a Consagração a Deus, neste momento da história, supõe uma consciência e uma prática novas, como cuidadores e cuidadoras da sua fantástica criação.  
Nossos fracassos na colocação em prática da nova consciência que já adquirimos sobre o aquecimento global e sobre todas as questões ecológicas residem no fato de vivermos alienados em relação ao que o universo significa e representa para cada um de nós. Nas circunstâncias atuais, a VRC é desafiada a viver em reciprocidade básica com a natureza de maneira a garantir a vida de todos os seres vivos, em um processo de desenvolvimento sustentável. Daí a importância de compreender o universo como uma teia de vida e experimentar-nos como parte e participante deste misterioso e surpreendente tecido.
Desta nova postura diante da vida surge a ecoespiritualidade, como um convite para aprendermos a admirar as mais sutis complexidades do universo, que incluem tanto os eventos do nosso momento presente, como os grandes eventos do passado e os eventos que serão criados a partir da nossa postura proativa, que prevê o futuro e propõe a realização de ações em cadeia para impedir os desastres ecológicos, em vez de ficarmos apenas reagindo.
Para que isto seja possível, precisamos desenvolver a sensibilidade e a atenção para captar e escutar os gemidos da Terra e de todos os seres vivos, agindo criativamente e de forma solidária para cuidar e defender a vida do planeta. Essa atitude de intervenção do ser humano consciente e responsável no cuidado da criação é um dado da natureza. Assim como ela continuamente busca refazer-se, o ser humano necessita buscar realizar a intervenção justa de cuidado e atenção ao misterioso processo da vida, não de uma vez por todas, mas continuamente, atento ao que está acontecendo na natureza, na história e dentro de si mesmo.
Segundo Boff, “a atitude de sentir cuidado deve transformar-se em cultura e demanda. Um processo pedagógico que acontece para além da escola formal que atravessa as instituições e faz surgir um novo estado de consciência e de conexão com a Terra e com tudo o que nela existe e vive”. Este novo estado de consciência gera em nós um ritmo de vida semelhante ao próprio ritmo do universo: o ritmo da entrega e doação gratuita, continuada, harmoniosa. Um dinamismo de vida que podemos contemplar, por exemplo, no sol.
Segundo Brian Swimme, “a cada segundo o sol transforma quatro milhões de toneladas de si mesmo em luz. A cada segundo, uma enorme parcela do sol desaparece, transformada em energia radiante que se lança em todas as direções. Em nossa própria experiência, talvez já tenhamos visto velas queimando ou madeiras sendo consumidas pelas chamas até só restarem cinzas. Porém, nada da nossa experiência humana se compara a esta fogueira quase preternatural que devora oceanos inteiros de matéria diariamente”.
Quando conhecemos o fato da transformação massiva do sol em energia, ficamos paralisados. Carecemos de mitos e de poesia que nos permitam assumir estas realidades novas. Mas, como adquirir uma linguagem simbólica apropriada, se nem sequer nos damos conta de que estamos envolvidos neste mistério? Não nos move e nem nos impressiona o fato de que somos parte e participantes desta encantadora obra de arte, epifania do incondicional amor de Deus. No entanto, sabemos que a contemplação do universo como manifestação do mais intenso e gratuito Amor pode nos transformar e dar novos sentidos à nossa entrega como VRC.
 Por exemplo, ao contemplar a contínua e vital entrega do sol para a vida da nossa galáxia, podemos descobrir um novo significado para nossa entrega total a Deus e aos pobres. O sol, a cada segundo, doa parte de si mesmo para convertê-la na energia que nós compartilhamos em cada refeição. Dificilmente refletimos sobre este fato básico da biologia e, no entanto, seu significado espiritual é muito forte. O sol se transforma em um fluxo de energia que a fotossíntese descarrega nas plantas que são consumidas por nós e por todos os animais. De maneira que, há quatro bilhões de anos, nós seres humanos desfrutamos da energia do sol acumulada em forma de feijão, arroz, frutas ou animais, à medida que o sol cada dia morre como sol e renasce como vitalidade terrestre. E essas chamas solares dão força para o empreendimento humano, para recriarmos a vida cada dia, para estabelecer relações vitais, cheias de amor e de criatividade. A energia solar é fonte da força humana. Toda criança precisa aprender esta simples verdade: somos energia do sol. E, como VRC, podemos transformar cada dia a nossa vida em uma alegre e criativa entrega, para que nosso rosto brilhe com o mesmo gozo radiante e transformador do sol.
Na cosmologia do novo milênio, o imenso esbanjamento de energia do sol pode ser considerado uma manifestação espetacular de um impulso subjacente a todo o universo. Na estrela, este impulso se revela como uma enorme e permanente entrega de energia. No coração humano ele é sentido como um impulso inabalável para dedicar a própria vida ao bem estar da comunidade, da humanidade, do planeta... Este é o ritmo da criação de Deus! Na misteriosa e magnífica obra da criação, há um tal dinamismo de vida que não somente transforma os elementos, gerando vida nova, mas também sustenta o ritmo da expansão do universo.
A ecoespiritualidade nasce e cresce, em cada pessoa, a partir da permanente busca de sentido para a vida; do assumir contínuo e paciente das dificuldades nas relações interpessoais; da opção por uma postura terna e acolhedora com todas as criaturas; de uma visão comprometida e crítica da história e de uma séria e permanente autocrítica que gera um processo pessoal e comunitário de conversão. A profundidade espiritual nasce e cresce, sobretudo, através da entrega livre e incondicional para que todas as pessoas tenham direito a uma vida digna e feliz (Jo 10,10), no universo em continua, acelerada e harmoniosa evolução.

Perguntas para a reflexão em comunidade:
1. Como interpretamos as mudanças rápidas que estão acontecendo na natureza?
2. Que novas posturas e ações estamos assumindo para a defesa da vida do planeta?
3. Estas novas experiências estão gerando em nós uma espiritualidade mais profunda e ampla? Uma espiritualidade ecológica?
Conferir Leonardo Boff, Saber Cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra, Petrópolis: Vozes, 2001, p.116.
Leonardo Boff, Saber Cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra, Petrópolis, Vozes, 2001, p.117.
Brian  Swime, O coração oculto do Cosmos. A humanidade e a nova história, São Paulo: Cultrix, 1996, p.56.


1-Conferir Leonardo Boff, Saber Cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra, Petrópolis: Vozes, 2001, p.116.
2-Leonardo Boff, Saber Cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra, Petrópolis, Vozes, 2001, p.117.
3-Brian  Swime, O coração oculto do Cosmos. A humanidade e a nova história, São Paulo: Cultrix, 1996, p.56.

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