
Com alegria estamos todos mergulhados na meditação dos passos dados por Clara de Assis no seguimento do Evangelho. Estamos vivendo esse tempo dos oitocentos anos da forma de vida da Senhora Clara. Temos diante dos olhos um texto que aborda Clara, como mulher da esperança, da autoria de uma das mais conhecidas e eruditas filhas da santa. Trata-se de Chiara Augusta Lainati. São incontáveis as obras publicadas por esta clarissa. O texto de que dispomos foi enviado para mosteiros das irmãs pobres de São Damião e é uma versão em espanhol de artigo que, provavelmente foi escrito em italiano (Clara, la mujer de la esperanza). A autora se dirige às suas irmãs fazendo um veemente convite a que voltem ao primeiro amor e sejam mulheres de esperança para um mundo sem esperança. Mesmo sendo dirigidas para as irmãs, as palavras da Lainati servem para todos que vivemos o aperto no coração de ter perdido, em parte, a esperança. Temos dúvidas, vivemos perplexidades, precisamos nos colocar entre os pobres que esperam a Deus. Fazemos uma tradução do texto com levíssimas adaptações. O presente artigo nos coloca, pois, diante do ardente e urgente tema da esperança. Seu estilo é poético, mas também profético. Vale a pena ser meditado.
“Os pobres têm o segredo da esperança. Alimentam-se dia após dia
das mãos de Deus. Os outros homens, desejam, exigem, reivindicam e a
tudo isso chamam de esperança… Acrescente-se que o mundo moderno
vivendo a loucura da aceleração não tem tempo para esperar. A vida
interior do homem moderno tem hoje um ritmo freneticamente veloz,
impossibilitando que seu coração seja alimentado por sentimento tão
forte e tão doce como o da esperança… Somente os pobres esperam por
nós, como somente os santos amam e expiam por nós… Chegará o dia em
que cumprirá a palavra de Deus e os pobres possuirão a terra e a
possuirão simplesmente porque não perderam a esperança nesse mundo de
desesperados” ( Georges Bernanos).
Uma imersão no incerto
O primeiro passo dado por Clara fora da segurança da casa, rumo à
Porciúncula envolta na obscuridade do bosque, um mergulho na incerteza é
seu passo decisivo na caminhada da esperança.
Um passo dado sem timidez (a filha de Favarone nunca é tímida) que
será diferente, tomando um outro ritmo, quase passo de dança sob as
asas do Espírito. Ela mesma haverá de escrever: “Em rápida corrida, com
passo ligeiro e pé seguro, de modo que seus passos nem recolham a
poeira, confiante e alegre, avance com cuidado pelo caminho da
perseverança” (2CtIn).
De fato, pouco a pouco, a mulher de Assis foi aprendendo em São
Damião “a comer cada dia da mão de Deus”; uma mão que oferece, isto sim,
e abundantemente, “pobreza, trabalho, tribulação, humilhação e
desprezo do mundo” (TestClara 27) e que converte tudo isso em “delícia” porque derrama sem medida nos sulcos do coração uma semente viva: a esperança.
Quase com os olhos se pode ver aprofundar, germinar e crescer a
semente na vida de Santa Clara: uma árvore tenra, depois mais robusta,
vigorosa sob o sol de São Damião, finalmente caminhando com segurança
no céu eterno de Deus, como modelo de esperança de toda a Igreja, como a
árvore de mostarda do evangelho que abriga nela numerosos pássaros dos
céus.
Nas mãos de Deus
Toda a vida de Clara, na realidade, se apoia na esperança.
Sozinha deixa para sempre a casa paterna para, aos dezoito anos,
seguir os passos de um homem, de um burguês, Francisco, que as pessoas
tinham como um louco. Um salto no vazio. Contra a tradição da família.
Contra as convenções sociais. Contra a prática normal da Igreja daquele
tempo. Um fechar os olhos e deixar-se conduzir pelo abismo da fé
“contra toda esperança” (Rm 4,18). Péguy diz a Deus que a fé que ele ama é a esperança.
Um pouco depois vemos Clara deixar de lado a tranquila e organizada
segurança do mosteiro beneditino no qual recebeu hospitalidade por uns
poucos dias. Ali, ela resistiu à pressão e à violência dos familiares.
Recusa a segurança humana que torna a bater à sua porta.
Dirige-se a São Damião. Na incerteza. Ali também está tudo para ser
feito. Naquele lugar está sozinha mas não fica espantada com a
solidão. Quanto mais profundo se faz seu despojamento, sua pobreza de
seguranças humanas, à imitação do Cristo pobre, mais canta com toda
liberdade e brilha ao sol, sempre caminhando na esperança porque
permite experimentar desde aqui a secreta doçura que Deus reservou
desde o principio para aqueles que o amam (3CtIn).
Em São Damião há muito pouco ou quase nada. E o que é mais certo: não há perspectivas seguras.
Hoje vemos a vida de Santa Clara à luz que aconteceu posteriormente…
Clara, no entanto, ao entrar em São Damião, naquele marcante março
de Assis, levava com ela somente a esperança. Contava unicamente com a
promessa evangélica: “Vosso Pai sabe que tendes necessidade de todas
essas coisas. Buscai em primeiro lugar o Reino e todas as coisas vos
serão dadas de acréscimo” (Lc 12,30-31). Contava com uma outra promessa, a de Francisco, que havia predito que o Senhor haveria de multiplicá-las (TestCl).
Não confiava em nada a não ser nisso. Não sabia o que seria dela, nem
de sua irmã Inês que já se achava com ela… Vive a experiência do
“pássaro do céu” e sabe que, nas mãos de Deus, ela vale mais do que
muitos pássaros (cf. Mt 6,26). Alimenta-se com o que vem das
mãos da Providência, dia após dia, como pobre. Não sabe se o lugar em
que se encontra, São Damião, terá futuro: naquele momento estava
vazio. Não podia imaginar que depois de poucos meses Deus, em sua
misericórdia, haveria de multiplicar as andorinhas debaixo do sol. No
momento, humanamente falando, tudo é obscuro.
Como Abraão, Clara caminha na noite, sustentada apenas pela
confiança inquebrantável naquele que é o Senhor do impossível. “O
Senhor disse a Abraão: Sai da tua terra, do meio de teus parentes, da
casa do teu pai e vai para a terra que te mostrarei (Gn 12,1). E Abraão “saiu sem saber para onde ia” (Hb 11,8).
Clara também ignorava para onde o Senhor a estava levando. Era
noite. Na esperança, no entanto, tudo se arrisca. “Olho confiante para
o Senhor, espero no Deus de minha salvação; meu Deus me ouvirá”(Mq 7,7).
E, apesar disso, Clara sentia-se segura, mais segura do que no velho e
protegido castelo de seus familiares. Deus é fiel em suas promessas.
Clara espera em sua palavra.
Como uma agonia
“Tu és a nossa esperança, grande e admirável Senhor, Deus
onipotente, misericordioso salvador”, Estas palavras que Francisco
escreveu para Frei Leão, foram passando de mão em mão e chegaram ao
coração de Clara. “Tu és a segurança, tu és a riqueza que nos
satisfaz. És o guarda e o defensor” ( Bilhete de Francisco a Frei Leão). Toda outra segurança fora do Senhor seria traição.
Clara lança-se no vazio: vende a herança e o resultado dá aos
pobres. Faz aprovar de viva voz pelo Papa Inocêncio III o
surpreendente privilégio da pobreza que seria concedido oficialmente em
1228. Deus fará com que nada falte às irmãs. Quanta esperança para
aquela mulher, a quem um filho espiritual, um futuro Papa, não duvidará
de chamá-la de “mãe da sua salvação” (Carta “Ab illa hora” do Cardeal Hugolino).
Aqui em baixo é noite, noite mais profunda do que nos bosques em
torno da Porciúncula. Noite também para Clara, noite em que somente a
pura esperança pode entrever uma luz, noite em que a única salvação é
“olhar-se” no “espelho” que é o rosto de Cristo, o Amor pobre, privado
do esplendor humano, que está suspenso da cruz; “Esperança de Israel
que salvas no tempo da desgraça…”(Jr 14,8).
“Veja como por você ele se fez desprezível e siga-o, sendo
desprezível por ele neste mundo. Com o desejo de imitá-lo, mui nobre
rainha, olhe, considere, contemple o seu esposo , o mais belo entre os
filhos dos homens, feito por sua salvação o mais vil de todos,
desprezado, ferido e tão flagelado em todo o corpo, morrendo no meio de
angústias na própria cruz… Se você sofrer com ele, na cruz e na
tribulação, vai ter com ele na mansão celeste… e seu nome será inscrito
no livro da vida” (2CtIn).
Como Clara aprendeu a “agonizar” com Cristo agonizante ( cf. LSC 31)?
Somente pode responder a esta pergunta Aquele que a ensinou. Podemos,
no entanto, exemplificar esses momentos de “agonizar com Cristo”: ter
cinquenta irmãs e não ter nada para matar sua fome (Proc 6,6); ter uma “irmã Andréia” que, desesperada, tem no coração propósitos insanos (Proc 3,16);
esperança de que tudo poderá se viver olhando para o espelho e para
aquele que está suspenso no madeiro da cruz…Papas, bispos, padres e
leigos vieram mendigar esperança em Clara, “mãe da salvação”.
Aqui, nesta terra de desterro, é noite. A salvação vem unicamente de
Deus, do Deus pregado na cruz que se fez “a esperança de Israel, seu
salvador em tempo de angústia”. É extremamente cansativo, verdadeira
agonia, caminhar nas areias ardentes deste deserto que nos conduz à
terra prometida. No entanto, está escrito: “O resto de Jacó será no
meio de numerosos povos como o orvalho vindo do Senhor, como gota de
chuva sobre a erva que não espera em ninguém nem conta com um ser
humano” (Mq 5,6).
Há essa certeza: naquela terra não haverá mais noite (Ap 22,5). Não estaríamos já vislumbrando aqui uma aurora no horizonte?
Êxodo
Francisco parte pelos caminhos do mundo sem bolsa, nem alforje, nem
bastão. Clara também, com a percepção de ter deixado na outra margem do
Mar Vermelho a “vaidade do mundo” (TestCl), encerrada em São Damião, percorre os caminhos misteriosos de um êxodo no deserto, onde Deus é o único guia (Dt 32.12), Javé, o “Deus da esperança” (Rm 15,13),
o Deus que desde sempre fez palpitar no coração do homem o desejo da
terra do sonho que se acha para além das estepes e das dunas arenosas
desse nosso viver cotidiano.
Clara entrevê esta terra: “Vou correr sem desfalecer, até me
introduzires na minha adega, até que a tua esquerda esteja sobre a minha
cabeça, sua direita me abrace e toda feliz me dês o beijo mais feliz de
tua boca”(4CtCl). Nos seus escritos está sempre presente a “terra prometida”, reino de glória rumo à qual estamos caminhando.
Na experiência espiritual de todos os tempos, como na história de
Israel, o “deserto” é sempre cenário de encontro com o Senhor. “… em
terra deserta o encontrou, na vastidão ululante do deserto. Cercou-o de
cuidados e o ensinou, guardou-o como a menina dos olhos. Qual águia que
desperta a ninhada, voando sobre os filhotes também ele estendeu suas
asas e o apanhou (Jacó) e sobre suas penas o carregou” (Dt 32, 10-12).
Clara sabe bem disto. É ensinada pelo Espírito. No interior da
clausura organiza uma vida “nômade”, vida de povo que peregrina até à
terra que está para além do rio. “Como peregrinas e forasteiras neste
mundo, servindo o Senhor em pobreza e humildade”, “de nada se
apropriando, nem de casa, nem de lugares, nem de coisa alguma” (Regra 8).
Nada. Simplesmente um caminhar para frente rumo à terra prometida,
como um povo em marcha, que não tem cidade aqui embaixo, nem tenda
estável onde refugiar-se, à imitação do Filho do Homem que não teve onde
reclinar a cabeça e quando a inclinou foi para entregar seu espírito(1CtIn).
Um “pequeno rebanho” que avança na esperança, cuja “porção” é uma
“altíssima pobreza”, que “as faz pobres de bens materiais, mas ricas em
virtude e as conduz até a terra dos vivos”. “Nada mais queirais ter
debaixo do céu” (Regra 8). Na verdade, porque parar? Por que
querer aqui embaixo uma morada? “Pois o Senhor teu Deus vai te
introduzir numa terra boa, terra com águas correntes, fontes e lençóis
de água subterrâneos que brotam dos vales e dos montes, terra de trigo,
cevada, vinhas, figueiras e romãzeiras; terra de oliveiras, de azeite e
mel; terra onde comerás pão em abundância… onde não te faltará nada” (Dt 8,7ss).
A esperança, escreve Péguy, leva Israel à posse da terra prometida. A
esperança sustenta o povo a caminho através de todas as dificuldades.
A esperança infunde coragem diante da certeza de que um dia as
promessas se cumprirão.
A mesma esperança que orienta Israel é a secreta dinâmica do Privilégio da Pobreza.
Clara caminha na certeza de que Deus é fiel em suas promessas. “Não se
assuste, filha, Deus, fiel em todas as suas palavras e santo em todas
as suas obras (Sl 144,13) vai derramar sua bênção sobre você e
suas filhas. Vai ser o seu auxílio e o seu melhor consolador, porque
ele é o nosso redentor e nossa recompensa eterna”(CtEr). E a
terra que se pode divisar para além do rio distante, é bela demais para
ser trocada por um pedaço de terra avermelhada de plagas áridas. “Que
troca maior e mais louvável: deixar as coisas temporais, merecer os bens
celestes em vez de terrestres , receber cem por um e possuir a vida” (1CtIn).
Um coração pobre
Estamos, portanto, sempre a caminho… Não é fácil caminhar por este
“deserto” é o que nos ensina a experiência de cada um. Agora parece mais
difícil do que nunca porque parece que o vento árido que muda de perfil
as dunas, arrancando as tendas pacientemente erguidas entre uma
tempestade de areia e outra despedaça toda esperança renascida… Nesses
momentos nossos olhos ficam cheios de areia. Não podemos ver.
Para caminhar não basta o escudo da Regra que prescreve a
pobreza absoluta. Clara está bem consciente disto:” E como é estreito o
caminho e apertada a porta por onde se vai e se entra na vida, são
poucos os que por aí passam e entram. E se há alguns que nele andam por
um tempo, são pouquíssimos os que nele perseveram. Felizes, no
entanto, são aqueles a quem foi dado andar por ele e perseverar até o
fim” (TestCl). Não basta um esforço de desprendimento renovado
a cada dia… Hoje, mais do que nunca, no “deserto” resiste somente
quem tiver um coração de pobre, quem viver a dinâmica da espera, quem se
apresentar em estado de disposição, de fidelidade, daquela confiança
em tensão que é precisamente a esperança… Quando Israel se desvia,
confiando mais nas potências políticas e na segurança terrena do que
em seu Deus, uma estranha certeza toma conta dos profetas: para que
Israel volte a encontrar seu Deus será preciso perder tudo, quer dizer,
todas as certezas terrenas, tudo o que insensivelmente foi ocupando em
seu coração o lugar de Deus.
Ter um coração de pobre significa, nem mais nem menos, contar apenas
com Deus. Portanto, não com meus talentos pessoais, nem com as reservas
feitas, não com programas a realizar, não com a força do grupo, nem com o
prestígio da Ordem ou do mosteiro, não com a força da tradição, nem com
o passado glorioso, nem com a capacidade de organização dos outros e
minha, não com o número, não com a qualidade, não com uma fonte que pode
ser encontrada um pouco mais adiante na caminhada, não com a saúde de
que gozo e que continuarei a ter nos próximos anos, não com a ajuda do
exterior, não com as ideias deste ou daquele. Somente com Deus, como o
“pequeno resto” da profecia: ”Deixarei no meio de ti um povo pobre e
humilde: eles procurarão refúgio no nome do Senhor (Sf 3,12).
Senhor, somente tu. Tu és apoio e plenitude. Fora de ti nada tem
cor. Tudo tem tom cinzento que lembra a desesperança… “Senhor, meu
coração não é pretensioso, meus olhos não são arrogantes. Não ando à
procura de grandezas, nem de maravilhas fora de meu alcance. Pelo
contrário, estou sossegado e tranquilo: como criança saciada no colo da
mãe, como criança saciada minha alma está em mim. Israel põe tua
esperança no Senhor, desde agora e para sempre (Sl 130).
O “deserto” queimou tudo em Clara. “Põe-me como um selo em teu coração, como um selo sobre teu braço” (Ct 8,6).
Depois que tudo foi queimado ficou apenas o semblante de seu Cristo,
pobre e crucificado. Nada mais. Ele. Clara não se dispersa. Só tem
tempo para ocupar-se com Cristo, Cristo Verbo Encarnado que exige o
amor daqueles que ele “separa” por amor.
Assim, também no “deserto” surge um oásis que vivifica toda a
Igreja. “Já não te chamarão ‘Repudiada’ nem a tua terra de ‘Devastada’.
Serás chamada, isto sim, minha querida e tua terra terá o nome de
desposada. Pois como o jovem se casa com uma moça, assim o teu arquiteto
te desposa, e como o noivo se alegra com a noiva, teu Deus se alegra
contigo” (Is 62, 4-5). “Seu afeto comove, sua contemplação reconforta, sua benignidade sacia, sua suave plenifica, sua memória ilumina suavemente” (4CtIn).
Se Clara vivesse hoje, penso que ninguém duvidaria, estaria muito
ocupada em amar a Cristo (Verbo encarnado, criança, crucificado,
próximo, que plenifica a sua vida, exige em troca o amor, um Deus que
coloca sementes de escuta no coração). Clara recriminaria menos passado
que já não lhe pertence, não ficaria chorando o tempo presente que
só a força do amor pode redimir, não faria perguntas inúteis nem
nutriria apreensões com respeito ao futuro. Estas posturas constituem
pecados contra a esperança.
Quando é que vamos compreender que não temos outra coisa a fazer
senão ocuparmo-nos dele, do salvador do mundo, comprometendo-nos a fazer
novas todas as coisas com aquela atenção, aquele amor, aquela
fidelidade, aquela confiança que é própria de uma esposa, de uma mãe, de
uma filha, de uma irmã que ama? Quando?
Porque todo o resto, todo, virá por si mesmo para nós, para a Igreja e para o mundo inteiro: oráculo do Senhor (cf. Mt 6,33).
Tempo de esperar
“Há um tempo para cada coisa”, afirma o Eclesiastes (3,1): “tempo para nascer e tempo para morrer, tempo para chorar e tempo para rir, tempo para calar e tempo para falar…”
Há também um tempo para esperar e esse tempo chegou. Agora é tempo de
esperar, de esperar por todos, porque são muitos os que “experimentam o
sabor” da angústia do deserto e depende em grande parte de nós,
clarissas, que escutem ou não a voz do Deus vivo.
Creio que não nos perdoarão muitas coisas; de uma certamente pedirá
contas Aquele que se definiu como “esperança de Israel” e que nos tirou
do nada para que fôssemos filhas de Clara nesses anos: se soubemos
ou não manter viva a esperança no coração do mundo, no coração da
Igreja, a esperança em nossa terra que parece estremecer de
desesperança em sua profundidade e se deixa levar por “fugas” rumo a
horizontes ilusórios; se soubemos ou não devolver o verde à esperança
desalentada dos homens, a esperança da Igreja, a esperança franciscana,
acovardada diante de enormes problemas de evangelização no exterior e
de autenticidade no interior. Quantas defecções, quantas quedas ou
acomodações por falta de esperança!
Sim, para nós, clarissas, é tempo de sustentar, com um coração pobre, apoiado somente em Cristo, a esperança universal.
Não se nos perdoará o pecado contra a esperança, pecado que poucas
vezes se manifesta em gestos trágicos, mas que atinge a vida de modo
sutil, quase que sem nos darmos conta; que nos paralisa, que nos faz
perder tempo com problemas secundários (a única “questão” não marginal é
Ele). Atinge também nossa vida quando buscamos posições mais
cômodas. O pecado que lança sementes de desilusão e desconsolo, que
rói o entusiasmo do dom e o solapa com uma infinidade de “se”: “se
houvesse vocações”; “se tivéssemos com que sustentar a casa”; “se
tivesse saúde”. Esse pecado tira a alegria de ir adiante como
peregrinos, numa caminhada cheia de confiança no Deus da salvação,
deixando-nos ser alavancados pelo Espírito; esse pecado nos faz regredir
por meio de inúteis lamúrias. Esse “antigamente sim que…” seca o canto
nos lábios, extirpa a alegria do coração e onde há fervor, faz se
instalar a apatia.
Não há vocações, não se tem saúde. Que importa? Será que por estas
razões deixamos de estar nas mãos de Deus ou sua sombra deixou de nos
cobrir? Ou será que neste tempo, como aconteceu com Clara, o Senhor não
estaria pedindo de nós “um salto no vazio”, um abandono sem limites a
seus desígnios misteriosos?
Senhor, confio em Ti! Perdoa-me por este meu duvidar, que marca
minha vida de desalento e de tristeza. Tu és a minha esperança! “Tens
na mão a minha sorte” (Sl 15,6).
Nós, clarissas, deveríamos ser, neste momento, aquelas que cantassem
para o Povo de Deus, para Ordem Franciscana e para o mundo o Cântico de
Isaías (cap. 26). “Temos uma cidade forte, para segurança ele
colocou muro e antemuro. Abri as portas para que entre uma nação justa
que guarda a fidelidade… Confiai no Senhor sempre, porque o Senhor é uma
rocha forte pelos séculos”.
Sim, em nossas mãos está, desde que queiramos nos servir dela, toda
a força dos pobres, aquela força que “obrigou” a Deus voltar-se para
Clara, inclinar-se sobre sua pobreza, sobre seu denso silêncio de
espera e de confiança:
Dá-nos, Senhor, um coração de pobres e dilata nossa capacidade
de esperar, para que em nós possa pulsar a esperança de todos os povos!
Por nosso Senhor Jesus, Amor pobre, espelho da Senhora Clara.
fonte:http://www.franciscanos.org.br/n/?p=16361