quarta-feira, 3 de outubro de 2012

São Francisco de Assis o propagador da paz

Por ocasião  da festa de São Francisco de Assis, o Diretor da ESTEF - Frei Aldir Cróculi elaborou uma reflexão como o Santo de Assis vivia e abunciava a Paz. 

fonte: www.estef.edu.br

1. Dados que falam. No dia 26 de outubro de 1986, João Paulo II reunia os principais líderes religiosos do mundo, numa jornada de oração pela Paz. O local não foi Roma e sim Assis, pois diante deste personagem, todos se sentem acolhidos. Na entrada da cidade há uma grande placa com os dizeres: “Assisi città gemmelata di Betlemme”. Assis foi declarada cidade gêmea de Belém onde nasceu o príncipe da Paz.. Em Nova Deli, numa igreja católica, uma imagem em bronze de Francisco de Assis tem um pé afinado (desgastado) pelo toque das mãos das pessoas que desejam “sentir” Francisco, estar, de alguma forma, linkado nele. A imensa maioria dos que fazem este gesto é muçulmanos e não cristã. A oração “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz” é lembrada como a oração de São Francisco, embora tenha surgido apenas em 1912, na França, numa paróquia do clero diocesano. Ninguém sente dificuldade em admitir a autoria de Francisco pelo espírito ecumênico e de fraternidade. É um verdadeiro programa de construção da paz, em nível pessoal.
2. O envolvimento com a paz. Há uma face de Francisco pouco divulgada: seu envolvimento com a causa da paz. Não foi algo gratuito em sua vida. Na juventude aspirava ser cavaleiro (guerreiro) num contexto definido por Leclerc como “beligerante”. Experimentou concretamente o sabor amargo da guerra, na derrota contra Perúgia, somada a um ano de reclusão. Diz-se ter experimentado o “estresse pós-traumático” – distúrbio psicológico de quem vive momentos de forte e prolongada tensão, com risco de morte – e também experimentado “a culpa do sobrevivente” por ter recrutado muitos combatentes que acabaram mortos (era líder da juventude e seu pai, um dos líderes na libertação do ‘dominium” dos nobres). Seguir Francisco, para os primeiros seguidores, era “abraçar a missão da paz” ou o “legado da paz”, diz Celano (cf 1Cel 23,2). A opção, ainda do período da sua conversão, de saudar a todos com “o Senhor te dê a paz” Francisco reconhece como genuína “revelação” (CA 101,14-15). E expressava seu profundo engajamento em favor da paz. Quis incluí-la no testamento. Ao longo de sua vida, mesmo antes de ter fama de santo, faz intervenções em favor da paz. Em 1217 consegue restabelecer a paz na cidade de Arezzo, dominada por duas facções que se digladiavam (CA 108,24). Em 1219 Francisco parte com a V Cruzada para Damieta, no Egito, contra os muçulmanos. Lá desestimula os soldados a combater e, contra a vontade do cardeal Pelágio Galvan, vai conversar com o sultão. Não consegue acordo de paz (impossível), mas recebe um salvo conduto do mesmo que lhe permitiria transitar livremente pelos países islâmicos. Em 15.08.1222 restabelece a paz em Bolonha, onde “muitas famílias de nobres, entre as quais o furor desumano de antigas inimizades eclodira em muito derramamento de sangue, foram levadas de novo ao pacto de paz” (FF p. 1449). Tenta impedir, provavelmente em 1223, a eclosão de uma guerra civil em Perúgia, sua cidade inimiga, quando já doente e atravessando forte crise com sua fraternidade. Vai a Perúgia e prega na praça (2Cel 37, 1-16). No final de sua, a poucos meses da morte (4) consegue restabelecer a paz em sua cidade, demovendo os contendores: o podestá (prefeito) e o bispo (CA 84, 1-20).
3. Posturas de raiz. Francisco, para conseguir esse sucesso em favor da paz, assumiu duas posturas radicais (de raiz) pela paz – é claro, motivado pela fé: a) A primeira é o viver expropriado. Viver sem posses e sem poder (minoridade). Reconhecia que a apropriação e o poder levam em seu bojo o gérmen da violência. A pessoa que faz do poder um status acaba diminuindo os demais, de alguma forma, faz violência sobre eles. E quem se apropria de bens materiais passa a necessitar de defesas (armas) para sua defesa (LTC 35, 6-7). A “posse impede de muitas maneiras o amor a Deus e ao próximo”. b) A segunda postura é a de, reconhecendo a Deus como Pai bondoso, aceitar a verdade de que todas as criaturas são irmãs. Não interessam seus limites: são amadas por Deus, espelham algo da sua bondade. A sabedoria consiste em saber “conviver” com elas. A razão instrumental ocidental nos fez deturpar essa relação, colocando-nos acima ou sobre elas, ao invés de permanecer ao lado, junto com elas, compartilhando da mesma mesa do Pai na bela diversidade de iguais.
4. Comecemos de novo. Vivemos hoje cercados pela violência. Podemos estar alarmados com a violência explícita e quase incontrolável: são os traficantes, os roubos, os atentados e assaltos, a injustiça institucionalizada, etc. A sociedade clama pelo nosso engajamento em favor da paz. Omitir-nos seria insensibilidade demasiada. Podemos nos engajar de muitos modos: rezando pela paz, participando de marchas e campanhas de paz, fazendo uso da saudação da paz, participando de algum movimento de direitos humanos, denunciando as injustiças nos meios que estão ao nosso alcance, integrando os grupos de reconciliação que o governo está querendo implantar por perceber que o sistema penal é um fracasso na recuperação de quem cometeu algum crime, etc. Mas há também duas posturas radicais possíveis a todos nós: viver expropriado como nosso irmão Francisco e resgatar a fraternidade com todos e com tudo. São posturas de preço alto. Assumi-las não depende de outros fatores ou pessoas  a não ser da gente mesma, em qualquer posição ou cargo que se esteja. Tratar a todos como irmãos iguais é muito exigente. Sem expropriação e sem considerar que todos são “dom” de Deus Pai, torna-se meta inalcançável. Por isso “comecemos, irmãos, porque até agora em apenas pouco ou quase nada progredimos” (1Cel 103,6).

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