Por ocasião da festa de São Francisco de Assis, o Diretor da ESTEF - Frei Aldir Cróculi elaborou uma reflexão como o Santo de Assis vivia e abunciava a Paz.
fonte: www.estef.edu.br
1. Dados que falam.
No dia 26 de outubro de 1986, João Paulo II reunia os principais líderes
religiosos do mundo, numa jornada de oração pela Paz. O local não foi
Roma e sim Assis, pois diante deste personagem, todos se sentem
acolhidos. Na entrada da cidade há uma grande placa com os dizeres:
“Assisi città gemmelata di Betlemme”. Assis foi declarada cidade gêmea
de Belém onde nasceu o príncipe da Paz.. Em Nova Deli, numa igreja
católica, uma imagem em bronze de Francisco de Assis tem um pé afinado
(desgastado) pelo toque das mãos das pessoas que desejam “sentir”
Francisco, estar, de alguma forma, linkado nele. A imensa maioria dos
que fazem este gesto é muçulmanos e não cristã. A oração “Senhor, fazei
de mim um instrumento de vossa paz” é lembrada como a oração de São
Francisco, embora tenha surgido apenas em 1912, na França, numa paróquia
do clero diocesano. Ninguém sente dificuldade em admitir a autoria de
Francisco pelo espírito ecumênico e de fraternidade. É um verdadeiro
programa de construção da paz, em nível pessoal.
2. O envolvimento com a paz. Há
uma face de Francisco pouco divulgada: seu envolvimento com a causa da
paz. Não foi algo gratuito em sua vida. Na juventude aspirava ser
cavaleiro (guerreiro) num contexto definido por Leclerc como
“beligerante”. Experimentou concretamente o sabor amargo da guerra, na
derrota contra Perúgia, somada a um ano de reclusão. Diz-se ter
experimentado o “estresse pós-traumático” – distúrbio psicológico de
quem vive momentos de forte e prolongada tensão, com risco de morte – e
também experimentado “a culpa do sobrevivente” por ter recrutado muitos
combatentes que acabaram mortos (era líder da juventude e seu pai, um
dos líderes na libertação do ‘dominium” dos nobres). Seguir Francisco,
para os primeiros seguidores, era “abraçar a missão da paz” ou o “legado
da paz”, diz Celano (cf 1Cel 23,2). A opção, ainda do período da sua
conversão, de saudar a todos com “o Senhor te dê a paz” Francisco
reconhece como genuína “revelação” (CA 101,14-15). E expressava seu
profundo engajamento em favor da paz. Quis incluí-la no testamento. Ao
longo de sua vida, mesmo antes de ter fama de santo, faz intervenções em
favor da paz. Em 1217 consegue restabelecer a paz na cidade de Arezzo,
dominada por duas facções que se digladiavam (CA 108,24). Em 1219
Francisco parte com a V Cruzada para Damieta, no Egito, contra os
muçulmanos. Lá desestimula os soldados a combater e, contra a vontade do
cardeal Pelágio Galvan, vai conversar com o sultão. Não consegue acordo
de paz (impossível), mas recebe um salvo conduto do mesmo que lhe
permitiria transitar livremente pelos países islâmicos. Em 15.08.1222
restabelece a paz em Bolonha, onde “muitas famílias de nobres, entre as
quais o furor desumano de antigas inimizades eclodira em muito
derramamento de sangue, foram levadas de novo ao pacto de paz” (FF p.
1449). Tenta impedir, provavelmente em 1223, a eclosão de uma guerra
civil em Perúgia, sua cidade inimiga, quando já doente e atravessando
forte crise com sua fraternidade. Vai a Perúgia e prega na praça (2Cel
37, 1-16). No final de sua, a poucos meses da morte (4) consegue
restabelecer a paz em sua cidade, demovendo os contendores: o podestá
(prefeito) e o bispo (CA 84, 1-20).
3. Posturas de raiz.
Francisco, para conseguir esse sucesso em favor da paz, assumiu duas
posturas radicais (de raiz) pela paz – é claro, motivado pela fé: a) A
primeira é o viver expropriado. Viver sem posses e sem poder
(minoridade). Reconhecia que a apropriação e o poder levam em seu bojo o
gérmen da violência. A pessoa que faz do poder um status acaba
diminuindo os demais, de alguma forma, faz violência sobre eles. E quem
se apropria de bens materiais passa a necessitar de defesas (armas) para
sua defesa (LTC 35, 6-7). A “posse impede de muitas maneiras o amor a
Deus e ao próximo”. b) A segunda postura é a de, reconhecendo a Deus
como Pai bondoso, aceitar a verdade de que todas as criaturas são irmãs.
Não interessam seus limites: são amadas por Deus, espelham algo da sua
bondade. A sabedoria consiste em saber “conviver” com elas. A razão
instrumental ocidental nos fez deturpar essa relação, colocando-nos
acima ou sobre elas, ao invés de permanecer ao lado, junto com elas,
compartilhando da mesma mesa do Pai na bela diversidade de iguais.
4. Comecemos de novo.
Vivemos hoje cercados pela violência. Podemos estar alarmados com a
violência explícita e quase incontrolável: são os traficantes, os
roubos, os atentados e assaltos, a injustiça institucionalizada, etc. A
sociedade clama pelo nosso engajamento em favor da paz. Omitir-nos seria
insensibilidade demasiada. Podemos nos engajar de muitos modos: rezando
pela paz, participando de marchas e campanhas de paz, fazendo uso da
saudação da paz, participando de algum movimento de direitos humanos,
denunciando as injustiças nos meios que estão ao nosso alcance,
integrando os grupos de reconciliação que o governo está querendo
implantar por perceber que o sistema penal é um fracasso na recuperação
de quem cometeu algum crime, etc. Mas há também duas posturas radicais
possíveis a todos nós: viver expropriado como nosso irmão Francisco e
resgatar a fraternidade com todos e com tudo. São posturas de preço
alto. Assumi-las não depende de outros fatores ou pessoas a não ser da
gente mesma, em qualquer posição ou cargo que se esteja. Tratar a todos
como irmãos iguais é muito exigente. Sem expropriação e sem considerar
que todos são “dom” de Deus Pai, torna-se meta inalcançável. Por isso
“comecemos, irmãos, porque até agora em apenas pouco ou quase nada
progredimos” (1Cel 103,6).
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